Folha de S.Paulo

Vacina testada em macacos anima, mas deixa dúvidas

Estudos apontam que imunidade completa contra a Covid-19 será desafio

- Reinaldo José Lopes

são carlos (sp) Dois estudos feitos com macacos trazem dados animadores sobre uma possível vacina contra o vírus da Covid-19, embora também mostrem que não é simples produzir uma imunidade completa contra a doença.

Pesquisado­res da Universida­de Harvard (EUA) mostraram que, após uma primeira infecção pelo Sars-CoV-2, o organismo dos primatas conseguiu ficar protegido do vírus, ao menos no curto prazo. A mesma equipe, ao testar uma vacina feita com DNA nos animais, verificou que a imunização é capaz de criar uma barreira contra o patógeno, mas mesmo os macacos vacinados ainda demoram um pouco para derrotar totalmente o vírus.

Os resultados, que saíram na revista Science, vêm de dois trabalhos coordenado­s por Dan Barouch, do Centro de Virologia e Pesquisa de Vacinas da Escola Médica de Harvard.

Ao infectar suas cobaias com a forma natural do vírus, Barouch e companhia conseguira­m observar o que acontece com as defesas do organismo conforme a doença progride e, assim, tentaram reproduzir partes desse processo com a ajuda da vacina.

Para isso, os cientistas trabalhara­m com macacos-resos (Macaca mulatta), um primata asiático muito usado em pesquisas biomédicas.

Uma das vantagens dos estudos com a espécie é que a “fechadura” das células dos macacos usada pelo Sars-CoV-2 para invadir o organismo é muito semelhante à que existe nas células humanas. Por outro lado, os sintomas nos animais costumam ser mais amenos: os primatas ficam abatidos e perdem o apetite, mas não têm febre nem falta de ar.

Um grupo de nove macacosres­os saudáveis recebeu 1 ml de solução contendo vírus, em diferentes concentraç­ões, na cavidade na salena traqueia. De início, os pesquisado­res detectaram a presença de material genético viral nas vias respiratór­ias dos bichos, com uma “assinatura” típica que indicava a produção de novos vírus no organismo. Alguns dos animais tinham sinais de pneumonia.

Com o passar das semanas, o corpo das cobaias se pôs a produzir anticorpos capazes de se ligar ao vírus e de neutralizá­lo (ou seja, impedir que ele entre nas células). Também desenvolve­ram a chamada imunidade celular —ou seja, células específica­s de seu sistema de defesa armazenara­m “memórias” do ataque viral.

Um mês e cinco dias após a infecção inicial, os bichos receberam uma dose viral idêntica à anterior. Resultado: pouquíssim­o material genético do vírus nas amostras oriundas dos animais e quase nenhum sintoma de infecção. Além disso, os níveis de anticorpos contra o Sars-CoV-2 aumentaram rapidament­e, sinal de que o corpo“se lembrava” com precisão de como derrotar o invasor.

O grupo de Harvard usou os conhecimen­tos obtidos com essa análise par atestara eficácia deseis formas dav acina de DNA que estão desenvolve­ndo (veja infográfic­o). Todas elas se baseiam na receita genética para a produção da proteína S, a “chave” usada pelo vírus para invadir as células.

A ideia é que o material genético de origem viral, inserido nas células, leve à produção da proteína S dentro delas. O organismo, então, reconhecer­á que a molécula é um corpo estranho e iniciará a produção de anticorpos e outras defesas. Assim, o corpo estará preparado caso entre em contato com o vírus completo.

As diferentes formulaçõe­s da vacina incluíam tanto a receita completa da proteína quanto formas “resumidas” ou ligeiramen­te alteradas dela. Os testes, feitos com 25 primatas, mostraram que os melhores resultados vêm com o uso do DNA correspond­ente à totalidade da proteína S.

Quando os macacos vacinados receberam doses do vírus real em suas narinas e traqueias, todos apresentar­am menos material genético do Sars-CoV-2 no organismo do que os macacos que serviram como controle (não vacinados que também foram inoculados com o vírus). Dos 25, oito macacos-resos não apresentar­am nenhum material genético de vírus ativos. Nenhum dos animais apresentou sintomas consideráv­eis.

Para os pesquisado­res, os resultados indicam que a vacina, embora confira proteção consideráv­el, ainda não é capaz de produzir a chamada imunidade esteriliza­nte, que impede totalmente a entrada do vírus no organismo. Em vez disso, ela permitiu que os animais vacinados controlass­em rapidament­e a infecção no início.

Ainda fica no ar outra dúvida: a duração dessa imunidade. Provavelme­nte só será possível estimar isso com a passagem dos meses e anos —pelo que se sabe acerca de outros tipos de coronavíru­s, a proteção contra novas infecções tenderia a durar de um a dois anos.

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