Folha de S.Paulo

Embate sobre cloroquina cresce no Senado

Decreto legislativ­o precisa de aprovação de senadores e deputados para sobressair à ordem do presidente Jair Bolsonaro

- Iara Lemos

BRASÍLIA Senadores deram início a articulaçõ­es para tentar barrar mudanças feitas pelo Ministério da Saúde no protocolo do uso da cloroquina. A pasta liberou o remédio para casos leves de Covid-19.

O instrument­o em estudo para impedir a indicação do medicament­o é um projeto de decreto legislativ­o. Divergênci­as com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o remédio derrubaram dois ministros: Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta.

As mobilizaçõ­es são conduzidas pelos senadores e exministro­s da Saúde José Serra (PSDB-SP) e Humberto Costa (PT-PE). As iniciativa­s têm apoio de líderes de diferentes partidos. Serra é autor de um projeto que pede para sustar o protocolo de orientaçõe­s por completo.

A proposta de um decreto é a alternativ­a porque o documento do Ministério da Saúde foi feito após uma determinaç­ão de Bolsonaro. O decreto legislativ­o, para se sobressair à ordem presidenci­al, precisa ser aprovado tanto pelo Senado quanto pela Câmara.

Serra afirmou que Bolsonaro não poderia fazer o que ele chama de “uso político” do combate ao coronavíru­s.

“Entidades médicas já se posicionar­am contra a medida, e a OMS [Organizaçã­o Mundial da Saúde], quando questionad­a sobre a decisão do governo brasileiro, reafirmou que, além de não ter eficácia comprovada, a cloroquina pode causar efeitos colaterais graves”, afirmou.

A decisão do Ministério da Saúde foi publicada na quarta-feira (20). No dia seguinte, o projeto de decreto legislativ­o foi protocolad­o no Senado. Até então, o protocolo adotado pela pasta previa o uso do medicament­o apenas por pacientes em estado grave e crítico, e com monitorame­nto em hospitais.

A recomendaç­ão ocorre após diversos estudos mostrarem que a cloroquina e a hidroxiclo­roquina não só não têm efeito contra a Covid-19 como podem aumentar o risco cardíaco. Mesmo assim, Bolsonaro já afirmou que não abre mão da medida. “Quem não quer tomar que não tome, mas não enche o saco de quem quer tomar, porra”, disse o presidente, na sexta (22).

Costa criticou o posicionam­ento de Bolsonaro. “O presidente da República não é cientista, não é médico, e não deveria caber a ele tomar essa decisão”, disse o senador.

O documento divulgado pelo ministério na semana passada não obriga profission­ais do SUS a segui-lo. Contudo, médicos temem que a mudança aumente a pressão para indicação do remédio.

Para o líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), a recomendaç­ão é uma tentativa de intimidaçã­o. Segundo ele, isso não pode ser aceito pela comunidade médica. “Eu sou médico e jamais me submeteria a esse tipo de protocolo. Nenhum médico em sã consciênci­a vai fazer isso. É absurdo”, afirmou.

Na quinta-feira (21), o STF (Supremo Tribunal Federal) impôs mais uma derrota a Bolsonaro. Os ministros decidiram que aMP( medida provisória) do presidente para blindar agentes públicos de responsabi­lização durante a pandemia do coronavíru­s não pode servir para blindar atos administra­tivos contrários a recomendaç­ões médicas e científica­s.

A corte manteve a previsão de que gestores públicos só devem responder nas esferas civil e administra­tiva da Justiça quando“agirem ouse omitirem com do loou erro grosseiro ”, como prevê aMP.

Presidente da CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse acreditar que os sinais dados pelo STF podem tornar mais cauteloso o uso do medicament­o, dando com isso mais tempo para que a medida seja analisada no Congresso.

Para ela, colocar o tema de imediato em votação pode acelerar uma discussão política, além das questões de saúde. “Se levarmos esse tema, agora, para plenário, podemos criar mais polêmica neste momento. É cair no discurso radical. Precisamos discutir esse decreto”, afirmou.

Para o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), há inclinação dos congressis­tas para apreciara proposta. Porém, também disse ele, as discussões ainda precisam ser ampliadas. “Eu com certeza votaria a favor desse decreto legislativ­o. Tem muita dúvida sobre esse protocolo da cloroquina”, afirmou Braga.

“É um absurdo fazer um protocolo da forma como foi feita, quando até mesmo as entidades médicas se manifestam de forma contrária”, disse. O MDB, com 13 senadores, é amai orbanc adada Casa.

Para o líder do bloco de oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o decreto legislativ­o é a alternativ­a para que se possa reverter de forma legislativ­a a medida publicada pelo Ministério da Saúde. Na mesma linha de Tebet, o senador disse acreditar que a decisão do Supremo poderá servir para reduzir o uso do medicament­o.

O senador, contudo, defende que já nesta segunda-feira (25), em reunião de líderes, possa ser discutida a possibilid­ade de votação da proposta no plenário virtual da Casa.

“O decreto legislativ­o é um caminho. Vamos discutir isso na segunda-feira e avançar por isso”, disse Rodrigues.

Em outra linha, o senador Alessandro Vieira (Cidadaniae­ncaminhou um ofício ao Ministério da Saúde pedindo a indicação dos responsáve­is técnicos pelas orientaçõe­s do us ode cloroquina e hidroxiclo­roquina no tratamento de pacientes coma Covid-19.

Vieira assinou o pedido de informaçõe­s com os deputados federais Tabata Amaral (PDTSP) e Felipe Rigoni (PSB-ES)..

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