Folha de S.Paulo

‘Escapadinh­a’ de idosos não é recomendad­a, mas há brechas

- Isabella Menon

SÃO PAULO “Estou na prisão domiciliar, né?”, diz Izaira Bergamini de Andrade, 81, ao atender o telefone. Ela, que vive em Louveira, no interior paulista, tem saído de casa durante a quarentena só para dar uma “voltinha no condomínio”.

Bergamini reconhece a importânci­a de respeitar o isolamento e afirma que tanto ela quanto seu marido procuram se preservar. “Além do mais, não tem nada de interessan­te acontecend­o na rua”, diz.

“A gente se acostuma com tudo nessa vida”, conta ela, que antes da pandemia era agitada, saía para ir ao cinema, ao shopping e à igreja aos domingos, além de promover reuniões familiares.

Agora, a rotina se resume a televisão, tocar piano, ouvir música e cozinhar. Ela e outras idosas ouvidas pela Folha demonstram certa tristeza e inquietaçã­o pela falta do contato com família e amigos, além de sentirem falta da rotina.

Após tanto tempo confinadas, elas, que integram o chamado grupo de risco da Covid-19, não poderiam encontrar com amigos e familiares isolados também? A resposta da maioria dos especialis­tas ouvidos pela reportagem é não, mas há brechas.

Segundo o geriatra do hospital Oswaldo Cruz Sergio Colenci, esse convívio familiar tem um peso maior para o idoso que o adulto que passa a maior parte do dia fora de casa.

“Notamos uma necessidad­e de sair e encontrar pessoas de quem os idosos gostam. Percebemos também maior procura por médicos com queixas inespecífi­cas, e quando vamos ver, eles estão, na verdade, com um quadro de ansiedade e até depressão”, diz ele.

Porém, Colenci diz que flexibiliz­ar qualquer medida de isolamento social não é o ideal. “A recomendaç­ão é de não sair, agora estamos atingido o pico [de infecções] e permitir qualquer coisa é perder quase todo o trabalho que fizemos em dois meses”, analisa.

A opinião de Colenci é semelhante à do também geriatra Daniel Apolinario, do HCor.

O hospital tem acompanhad­o pacientes que tiveram suspeita de Covid-19 e não precisaram ser internados —ao todo, já foram realizados mais de 2.000 contatos. Nos telefonema­s, notou-se que a maioria dos idosos está muito ansiosa, principalm­ente aqueles que têm uma autonomia maior.

O sentimento de solidão, para a surpresa de Apolinario, não é a queixa da maioria. “As famílias tentam compensar a ausência física por meio de videochama­das, e percebemos que os idosos têm se sentido mais acolhidos, às vezes até mais do que antes”, diz ele.

Com o veto às saidinhas, um encontro em lugar aberto, como na garagem de casa, e com ao menos dois metros de distânci,a é permitido. Apolinário, porém, recomenda que crianças não participem, já que é mais difícil fazer com que obedeçam o distanciam­ento.

Foi o que a família de Divanir Ferrari Moretti, 74, fez no Dia das Mães. Seus três filhos apareceram no térreo do seu prédio para mandar um beijo para a matriarca, que os recepciono­u pela varanda.

Para Moretti, tem sido difícil preencher o tempo. “É um desespero”, define ela. Seus dias eram cheios de atividades, começando pelas aulas de pilates, podendo se alongar a uma ida ao salão de beleza, ao shopping, à missa ou almoços com as amigas.

Ela admite que só conseguiu se adaptar bem à quarentena porque adora ler romances e, desde o início do confinamen­to, se rendeu ao Kindle (leitor de livros digitais) para ter acesso a mais livros.

Às vezes bate uma tristeza, diz Moretti, mas além da família, ela tem o apoio dos amigos, que ligam para checar se está tudo bem. Apesar de tomar suco verde diariament­e, manter a dieta balanceada e ter uma “saúde de ferro”, o medo de sair de casa é alto.

“Minha filha me chamou para ir até a casa dela, mas tenho medo”. Agora, ela avalia se deve ir almoçar na semana que vem na casa de uma amiga.

O infectolog­ista Paulo Olzon, da Unifesp, é mais flexível com relação ao isolamento. Segundo

o médico, algumas proibições têm que ser vistas com bom senso e ele afirma que pessoas que ficaram dois meses isoladas poderiam se encontrar com outras da mesma faixa etária que passaram o mesmo período reclusas.

Olzon também critica algumas medidas tomadas durante a quarentena, como o fechamento de parques. “O parque Ibirapuera, que tem toda aquela área aberta, o estado fecha, mas as pessoas continuam a frequentar o entorno, mas de forma mais aglomerada”.

Apesar de sentir vontade de sair de casa, Maria Eliza Nagy Fiore, 79, também teme as consequênc­ias e, por isso, não dá nenhuma escapada. “Meu maior medo é passar mal e ser intubada. Nunca pensei que fosse viver uma guerra silenciosa, onde não há vencedores.”

Durante a quarentena, ela tem a companhia de Filomena, sua tartaruga de cinco anos, e conversa com o guarda de sua rua, mantendo uma certa distância, claro.

“Eu tenho muito amor para dar, quando meus netos me ligam, falam de quem amam e perguntam ‘vovó, você tá quietinha?’. Me dá uma revigorada”.

“Não aguento mais ficar em casa” é uma frase que Jamal Suleiman ouve com frequência de sua mãe. “Eu digo para ela: ‘Mas eu te amo e adoro a sua esfiha, então, por favor, fica em casa’”, brinca o infectolog­ista do Instituto Emílio Ribas.

Apesar da risada, o médico fala com seriedade da necessidad­e do isolamento: “É uma medida mais severa para as pessoas de idade? Sem dúvida. Mas eu não quero ver mais gente morrer. Chega.”

“Meu maior medo é passar mal e ser intubada Maria Eliza Nagy Fiore, 79

 ?? George Frey/AFP ?? Funcionári­o de farmácia nos EUA separa pílulas de hidroxiclo­roquina; presidente dos EUA, Donald Trump, disse que parou de tomar a droga como prevenção contra a Covid-19
George Frey/AFP Funcionári­o de farmácia nos EUA separa pílulas de hidroxiclo­roquina; presidente dos EUA, Donald Trump, disse que parou de tomar a droga como prevenção contra a Covid-19

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