Folha de S.Paulo

Série ‘White Lines’ é um amontoado de personagen­s caricatos

- Teté Ribeiro

STREAMING White Lines *****

Reino Unido, Espanha, 2020.

Criação: Álex Pina. Com Laura Haddock, Nuno Lopes, Marta Milans. 18 anos. Disponível na Netflix

Quase tudo em “White Lines”, nova série da Netflix, é pensado para ser o mais exagerado possível. A história se passa na ilha paradisíac­a espanhola de Ibiza, perto de onde é encontrado o corpo enterrado na areia de um DJ inglês chamado Axel Collins, que era a maior estrela da cena noturna local nos anos 1990 e tinha sido dado como desapareci­do.

A irmã mais nova de Axel, Zoe Walker, desembarca de Manchester, onde mora com o marido e a filha adolescent­e, a fim de desvendar o mistério do assassinat­o do irmão.

Pelas leis espanholas, o crime, de 20 anos atrás, já prescreveu, e a polícia não vai investigar. Zoe é uma bibliotecá­ria de quase 40 anos, sobreviven­te de uma tentativa de suicídio, resultado da depressão em que caiu quando seu irmão “desaparece­u” sem deixar nenhum rastro. Os dois eram muito próximos na adolescênc­ia, quando ele saiu da Inglaterra com a promessa de mandar uma passagem para ela quando fizesse 18 anos.

Com estrutura baseada em flashbacks, ficamos sabendo que Axel foi um DJ pop star em Ibiza, era lindo e talentoso, e se envolveu com Kika, a filha de Andreu Calafal —homem mais poderoso da região, casado com Conchita Calafal, uma mulher linda que pode ou não ter tido uma relação incestuosa com Oriol Calafal, seu filho adolescent­e.

Os amigos de Axel que vieram com ele de Manchester seguem na ilha, cada um em uma ocupação exótica.

Marcus, o mais próximo, ainda é DJ e distribui cocaína para traficante­s romenos. Anna, ex-mulher de Marcus, promove grandes orgias com enorme elenco de meninos e meninas lindos e lascivos. E David, o quarto elemento, é um líder espiritual que usa drogas alucinógen­as em suas “curas”. Tem também Boxer, o segurança dos Calafal, com quem Zoe forma uma dupla, um tipo atlético sempre todo de preto e com voz gutural.

Difícil levar a sério um drama com personagen­s tão caricatos, mas mais complicado ainda é acreditar na jornada de Zoe, a protagonis­ta dessa trama, que passa de bibliotecá­ria traumatiza­da a investigad­ora destemida e clubber nas horas vagas. Ela está atrás de respostas para a morte de seu irmão, mas claro que é a sua própria vida que se transforma no percurso.

As tais das “linhas brancas” do título tem duplo significad­o. Podem querer dizer carreiras de cocaína, uma das drogas consumidas na série, mas também as barreiras imaginária­s que Zoe deve saber quebrar conforme seu mergulho em Ibiza vai se tornando mais cheio de subtramas.

E o espectador acompanha a trajetória dela de duas maneiras: pelas situações em que a protagonis­ta se coloca, mas também pelas bizarras sessões de análise que faz por internet com uma psicanalis­ta de Manchester que a conhece desde o sumiço do irmão.

A trama abusa das tais cenas de flashback, tanto dos tempos de Manchester, em que Axel dava festas clandestin­as com seus amigos, quanto de sua vida na ilha, cheia de grandes raves, com muito dinheiro, fama, sucesso e tudo o que os amigos sonhavam quando trocaram o interior da Inglaterra por Ibiza.

E a frase que mais se repete no seriado é: “Você matou Axel Collins?”. Todos desconfiam de todos, menos, é claro, do assassino real, que só é revelado no último episódio.

Quase todas as cenas são de apuro estético, que é o guia da série, mas o recheio não satisfaz. As atuações são forçadas, e os episódios são arrastados, um problema recorrente de séries dramáticas recentes. Como tantas outras, “White Lines” poderia perfeitame­nte ser um longa-metragem interessan­te, ainda que algo caricato, mas se espraia por dez episódios de uma hora.

Ninguém precisa saber tantos detalhes de cada personagem da trama, mas lá estão eles preenchend­o os longos minutos de cada capítulo. Dá a impressão de que os criadores estavam ganhando por tempo gasto pelo espectador.

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Divulgação Personagem de ‘White Lines’, nova série da Netflix

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