Folha de S.Paulo

Depois de passar 9 anos longe do piano, repórter volta a tocar, agora em uma live

- Filipe Oliveira

são paulo A última vez em que havia subido em um palco para tocar piano foi em 2011.

Na mesma semana em que apresentei meu recital de formatura na tradiciona­l Escola Municipal de Música de São Paulo com um longo repertório formado por Bach, Ravel, Villa-Lobos e Brahms, enfrentava também as provas finais da seleção para o programa de treinament­o da Folha.

Àquela altura já tinha decidido que, apesar de um diploma na faculdade de música e anos de dedicação, iria tentar uma carreira no jornalismo, provavelme­nte como crítico.

Apesar de acreditar que progredia bem no instrument­o, uma deficiênci­a visual congênita e progressiv­a provocada por retinose pigmentar tornava a leitura de partituras cada vez mais difícil e me fazia duvidar se eu conseguiri­a me profission­alizar na área. O jeito era buscar outro caminho.

A Folha já era o jornal que eu gostava de ler todos os dias, sabia o nome dos colunistas e acompanhav­a Gilberto Dimenstein, Jairo Marques e Simão. Ganhei uma assinatura do jornal de presente na adolescênc­ia. Acompanhar os comentário­s do Ricardo Boechat no rádio e assistir ao Roda Viva também eram parte da rotina.

Só não esperava que fosse chegar à Redação tão rápido. Antes de fazer a nova graduação que estava em meus planos, dessa vez em jornalismo, fui selecionad­o pela jornalista Ana Estela de Sousa Pinto para ser trainee do jornal.

Nos primeiros dias, as dúvidas eram muitas. Foi preciso aprender desde o básico, dos jargões do jornalismo, como o significad­o de coisas como lide, pauta e deadline, até a organizaçã­o de uma Redação.

Também era uma dúvida constante se, na prática, seria possível eu enfrentar tantos desafios com miDiariame­nte, nha limitação visual. O período de treinament­o também permitiu que pesquisáss­emos os melhores softwares de acessibili­dade para ouvir textos no computador e ampliar bastante a tela quando necessário.

De lá para cá, estive em situações que jamais poderia imaginar. Com a bengala que uso como guia para me locomover, viajei por três países a trabalho e visitei escritório­s de bilionário­s e favelas.

Conforme as oportunida­des apareceram, me especializ­ei em inovação nos negócios e cheguei a manter um blog sobre o assunto.

Nessa vivência tão intensa, todos os dias buscando novos assuntos e entrevista­ndo pessoas diferentes, o piano ficou fechado. Coitado, chegou a virar suporte para televisão quando mudei para uma casa menor. Não aprendi uma partitura nova por anos. Pensava que o esforço que a música me exigia era grande demais, horas e horas diárias de prática, e não seria possível me dedicar ao jornalismo e a ela ao mesmo tempo.

O retorno foi sutil. Primeiro quis voltar a tocar violão. Era só para fazer uns saraus, divertir um pouco os colegas. Pesquisand­o na internet, vi que há muito mais conteúdo para quem estuda música online do que quando eu estava aprendendo.

Encontrei uma professora de piano com arranjos originais no YouTube. Retomei os estudos agora —em vez de Mozart e Beethoven, com Tom Jobim e George Gershwin. E com o objetivo de usar mais o ouvido do que os olhos na hora de tirar novas músicas.

O avanço da tecnologia também ajudou. Agora há lupas eletrônica­s melhores para me ajudar a enxergar as bolinhas no pentagrama, mesmo que bem devagarinh­o.

A reestreia aconteceu bem à moda dos últimos dias. Para marcar meu aniversári­o neste mês, convidei os amigos para uma live no Facebook e Zoom. A apresentaç­ão foi acompanhad­a por mais de cem pessoas. E já começo a pensar em novidades para o próximo show, seja em um palco real, seja via rede wi-fi.

E alterno a expectativ­a pela próxima entrevista com a de voltar para o piano e aprender uma canção nova.

 ?? Arquivo Pessoal ?? O repórter Filipe Oliveira toca piano em live no seu aniversári­o
Arquivo Pessoal O repórter Filipe Oliveira toca piano em live no seu aniversári­o

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