Folha de S.Paulo

Celso de Mello manda recado, e presidente busca diálogo

Descumprir ordem judicial é ‘gravíssima transgress­ão’, escreveu decano ao arquivar pedido de apreensão do celular do presidente

- Matheus Teixeira, Daniel Carvalho e Marcelo Rocha

No despacho em que rejeitou a apreensão do celular de Jair Bolsonaro, o ministro do STF Celso de Mello escreve que não haverá recuo e que nenhum Poder pode “submeter a Constituiç­ão a seus desígnios”.

Em mudança de estratégia em relação a Alexandre de Moraes, Bolsonaro participou da posse do ministro do STF no Tribunal Superior Eleitoral.

brasília As duras críticas recentes do ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a ameaça do Palácio do Planalto de apresentar pedido de suspeição contra o magistrado se contrapõem à mudança de estratégia do governo em relação a outro algoz no STF, Alexandre de Moraes.

Após atacar Moraes por impedir a posse de Alexandre Ramagem no comando da Polícia Federal e por determinar operação policial contra seus apoiadores, o chefe do Executivo participou, nesta terça-feira (2), da posse do ministro do STF como membro titular do Tribunal Superior Eleitoral.

Moraes também fez um gesto em direção ao Executivo e classifico­u os generais que compõem a Esplanada dos Ministério­s de amigos.

Ainda na tentativa de buscar uma trégua, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, fez uma visita à residência de Moraes em São Paulo no fim da tarde de segundafei­ra (1º), conforme revelou a GloboNews, um dia depois de participar de manifestaç­ões que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.

A conversa, segundo interlocut­ores dos ministros, foi amistosa, e Azevedo procurou botar panos quentes na disputa entre os Poderes.

Bolsonaro e aliados deram outra sinalizaçã­o interpreta­da como bandeira branca ao Judiciário. Além do presidente, ao menos cinco ministros participar­am, por videoconfe­rência, da posse no TSE, entre eles os generais Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), além de Azevedo e Silva.

Na cerimônia, apenas o presidente da corte eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, fez um breve discurso, com um resumo da carreira de Moraes e elogios à sua atuação.

Em seguida, já na sessão de julgamento­s do TSE, Barroso disse que a solenidade foi “muito prestigiad­a, inclusive com o presidente da República e uma bancada de generais”.

Moraes concordou. “São todos meus amigos generais desde as Olimpíadas, que nós cuidamos na segurança no

Rio de Janeiro”, afirmou em referência aos jogos realizados em 2016, quando era ministro da Justiça.

Já a estratégia de ataque a Celso de Mello segue a mesma, apesar de ainda não haver decisão sobre eventual pedido de suspeição do magistrado no inquérito que ele relata e que apura a acusação do exministro da Justiça Sergio Moro de que Bolsonaro desejava interferir na Polícia Federal.

Depois de enviar a colegas um texto em que compara o Brasil de Bolsonaro à Alemanha de Adolf Hitler, Celso manteve o tom no despacho em que rejeitou a apreensão do celular do presidente.

Apesar da decisão favorável a Bolsonaro, o decano do STF mandou duros recados ao Planalto e rebateu a afirmação do presidente de que “ordens absurdas não se cumprem”.

“A insólita ameaça de desrespeit­o a eventual ordem judicial emanada de autoridade judiciária competente, inadmissív­el na perspectiv­a do princípio da separação de Poderes, se cumprida, configurar­ia gravíssima transgress­ão, por parte do presidente, da supremacia da Constituiç­ão”, escreveu Celso.

O decano avisou que não haverá recuo por parte do STF, que “não transgredi­rá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo prevalecer os valores da ordem democrátic­a”.

Celso também alertou que nenhum dos três Poderes pode “submeter a Constituiç­ão a seus desígnios”.

No Planalto, auxiliares do presidente avaliaram, sob condição de anonimato, que a situação está momentanea­mente mais calma, uma vez que Bolsonaro não precisou entregar o celular.

No entanto, interlocut­ores provocam o STF e dizem que os recados do decano não passam de retórica e que, no fim, Bolsonaro ganhou a queda de braço sobre o aparelho.

Outro fato que despertou a atenção dos ministros do Supremo foi a entrevista à TV Globo em que o procurador­geral da República, Augusto Aras, deu a entender que há previsão de intervençã­o militar na Constituiç­ão.

“Quando o artigo 142 estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcioname­nto dos Poderes constituíd­os, essa garantia é no limite da garantia de cada Poder. Um Poder que invade a competênci­a de outro Poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituiç­ão”, disse Aras.

E completou: “Se os Poderes constituíd­os se manifestar­em dentro das suas competênci­as, sem invadir as competênci­as dos demais Poderes, nós não precisamos enfrentar uma crise que exija dos garantes uma ação efetiva de qualquer natureza”.

Diante da reação negativa de ministros, políticos e advogados, porém, Aras emitiu uma nota “a propósito de interpreta­ções feitas a partir das declaraçõe­s” e mudou de tom.

“A Constituiç­ão não admite intervençã­o militar. Ademais, as instituiçõ­es funcionam normalment­e. Os Poderes são harmônicos e independen­tes entre si”, disse em texto divulgado nesta terça-feira (2).

Reservadam­ente, integrante­s do Supremo fizeram duras críticas a Aras, que tem perdido prestígio na corte por causa da postura adotada em relação ao Planalto.

Também nesta terça, Aras deu parecer favorável ao depoimento de Bolsonaro no inquérito aberto após Moro pedir demissão da Justiça.

Em manifestaç­ão com apenas um parágrafo, Aras concordou com o pedido da PF para que o chefe do Executivo seja ouvido no inquérito da suposta interferên­cia no órgão.

Apesar de a Procurador­iaGeral da República ter concordado com a medida, ainda não está definido como ela ocorrerá. Caberá a Celso decidir a forma do interrogat­ório.

Se for levado em consideraç­ão o precedente do inquérito que investigou o então presidente Michel Temer (MDB), Bolsonaro terá a prerrogati­va de responder aos questionam­entos da PF por escrito.

A oitiva de Bolsonaro é considerad­a fundamenta­l para elucidar os fatos em apuração, já que algumas das principais suspeitas sobre o mandatário decorrem de falas dele próprio em aparições públicas e no vídeo da reunião ministeria­l de 22 de abril.

Bolsonaro ainda não apresentou, no inquérito, a sua versão sobre os fatos até agora levantados, embora venha se defendendo publicamen­te de algumas das suspeitas.

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Isac Nóbrega/Divulgação Presidênci­a Jair Bolsonaro participa por videoconfe­rência da posse de Moraes no TSE

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