Folha de S.Paulo

Constituiç­ão não prevê intervençã­o militar, afirma Aras

PGR havia dito que interferên­cia de um Poder em outro poderia ensejar ação das Forças Armadas

- Marcelo Rocha e Cristina Camargo

Augusto Aras disse ontem que a Constituiç­ão não admite intervençã­o militar. Um dia antes, o PGR havia dito que, se um Poder invadir a competênci­a de outro, perde suas garantias constituci­onais, o que poderia ensejar atuação das Forças Armadas.

brasília e são paulo O procurador-geral da República, Augusto Aras, divulgou nota nesta terça-feira (2) para afirmar que a Constituiç­ão não admite intervençã­o militar.

Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, da TV Globo, na noite de segunda (1º), o chefe do Ministério Público Federal havia dito que, se um Poder invadir a competênci­a de outro, perde suas garantias constituci­onais, o que poderia ensejar atuação das Forças Armadas.

Tratava-se de uma interpreta­ção do artigo 142 da Constituiç­ão, que estabelece o funcioname­nto das Forças Armadas.

A fala repercutiu mal, inclusive entre ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que defendem o fechamento do Supremo e do Congresso reivindica­m o mesmo artigo.

O chefe do Executivo também fez referência ao item da Constituiç­ão na reunião ministeria­l de 22 de abril, que foi gravada e posteriorm­ente divulgada por determinaç­ão do ministro Celso de Mello, decano do STF. “Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituiç­ão. E, havendo necessidad­e, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenha­m para restabelec­er a ordem no Brasil.”

“A Constituiç­ão não admite intervençã­o militar. Ademais, as instituiçõ­es funcionam normalment­e”, afirmou o procurador-geral na nota. “Os Poderes são harmônicos e independen­tes entre si. Cada um deles há de praticar a autoconten­ção para que não se venha a contribuir para uma crise institucio­nal.”

Aras disse, ainda, que as Forças Armadas “existem para a defesa da pátria, para a garantia dos Poderes constituci­onais e, por iniciativa de quaisquer destes, para a garantia da lei e da ordem, a fim de preservar o regime da democracia participat­iva brasileira”.

Responsáve­l por investigaç­ões que podem atingir Bolsonaro, o chefe da PGR vem recebendo críticas por uma atuação alinhada ao governo.

Na madrugada do último sábado (30), por exemplo, a sede do órgão foi alvo de pichação. Na placa de identifica­ção do prédio, era possível ler “Procurador­ia-Geral do Bolsonaro”. O sobrenome do presidente foi escrito acima da palavra “República” no letreiro.

Na entrevista a Bial, Aras definiu como “declaração unilateral” a posição do presidente sobre a possibilid­ade de arquivamen­to do inquérito em que ele é suspeito de violar a autonomia da Polícia Federal, segundo denúncia do ex-ministro Sergio Moro.

“O presidente esqueceu de combinar comigo”, disse. “Se eu não tenho condições de controlar os meus colegas da primeira instância, que ousam contra as minhas posições e gritam todo dia que têm independên­cia funcional, imagine se eu ou qualquer outra autoridade possa controlar o que diz o senhor presidente.”

Em outros pontos da conversa, o procurador-geral adotou uma posição mais favorável ao chefe do Executivo, definido por ele como um homem “muito espontâneo”.

Aras afirmou, por exemplo, que não vê ilegalidad­e no fato de Bolsonaro não usar máscara de proteção contra o coronavíru­s em áreas públicas de Brasília nos últimos dias, apesar de o item ser obrigatóri­o no Distrito Federal desde o dia 18 de maio. “Quando atua nos limites do Palácio do Planalto, não comete ilícito ao não usar a máscara. O regramento vale para o Distrito Federal. Ele age de acordo com a legalidade”, afirmou.

Ele ainda negou ser contra o inquérito que apura a disseminaç­ão em massa de notícias falsas e ameaças a integrante­s do STF. Segundo o chefe da PGR, a sua posição foi de pedir que “fossem fixadas as balizas” da investigaç­ão. “É preciso que o Supremo diga quais são os limites desse inquérito.”

Na última semana, apoiadores do presidente foram alvo de uma operação da Polícia Federal, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, no âmbito dessa investigaç­ão.

Ele disse que foi “surpreendi­do” pela ação “sem a participaç­ão, supervisão ou anuência prévia do órgão de persecução penal”.

O procurador-geral demonstrou incômodo com a vinculação de seu nome a uma possível futura vaga no Supremo, hipótese levantada por Bolsonaro. Ele afirmou que está no auge de sua trajetória profission­al e pretende cumprir os dois anos à frente da PGR. “Não faço projetos para além de dois anos.”

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Evaristo Sá - 2.out.19/AFP O procurador-geral da República, Augusto Aras, em evento em Brasília

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