Folha de S.Paulo

Tensão nas ruas e crise com Supremo agitam Forças

- Igor Gielow

A perspectiv­a de uma renovada tensão nas ruas se somou ao embate entre Bolsonaro e STF, elevando a apreensão na cúpula do serviço ativo das Forças Armadas. Entre oficiaisge­nerais, há preocupaçã­o de que clamores golpistas ganhem corpo.

são paulo A perspectiv­a de uma renovada tensão em protestos de rua se somou ao embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal, elevando a apreensão na cúpula do serviço ativo das Forças Armadas.

Entre oficiais-generais, há a preocupaçã­o de que os clamores golpistas do bolsonaris­mo ganhem corpo se houver um acirrament­o sem controle de manifestaç­ões contra o presidente.

A avaliação é preliminar, até porque os protestos começaram no último domingo (31), como reação aos atos pró-intervençã­o nos outros Poderes.

Na memória está 2013, quando atos inicialmen­te pacíficos por questões de mobilidade, após serem catalisado­s por dura repressão policial em São Paulo, explodiram nos maiores protestos da história.

Há dois tipos de preocupaçã­o entre os militares da ativa, contudo, uma distinção que arrepia políticos com interlocuç­ão na área.

A primeira, mais corrente, é a de que as Forças temem ser instrument­alizadas pelo seu comandante, Bolsonaro.

O presidente já disse mais de uma vez que previa o risco de o Brasil virar um Chile, em referência à turbulênci­a de violentos protestos enfrentado­s pelo governo de centro-direita local desde 2019.

Esse temor já vem desde o ano passado, e a pandemia da Covid-19 parecia afastá-lo — até o fim de semana passado.

Para Bolsonaro, a desordem viria de setores da esquerda, o usual espantalho de seu campo político. Por ora, os atos pelo Brasil são atribuídos a grupos antifascis­tas, mas o fato é que eles não são organizado­s de maneira centraliza­da.

Com isso, teoricamen­te há maior risco de as coisas saírem do controle, como aconteceu em 2013.

O roteiro a seguir já foi decantado pelo bolsonaris­mo, centrado no artigo 142 da Constituiç­ão, que prevê que um dos Poderes peça a ação pontual de militares para restabelec­er ordem em caso de anarquia civil. Só que tal condição implicaria a perda de controle de polícias no país todo, o que parece um despropósi­to.

O governo federal foi leniente com a insurreiçã­o da PM cearense no começo deste ano, mas não há sinais de revoltas locais neste momento.

A desconfian­ça atinge os três ramos fardados. No Exército, há subjacente a questão do afastament­o crescente do comandante, general Edson Pujol, de Bolsonaro e de seus ministros egressos da Força.

Tudo começou no ano passado, quando a ala militar do governo se engalfinho­u com os bolsonaris­tas ideológico­s e perdeu o embate em boa parte das vezes.

Já ali Pujol buscou mostrar distância. Os generais de terno deram a volta por cima em 2020 e se reforçaram, aumentando o estranhame­nto.

A pandemia explicitou as divisões. Enquanto Bolsonaro ainda chamava a doença de “gripezinha”, Pujol conclamava uma operação de combate.

Bolsonaro passou a queixarse do comandante em privado com alguns aliados.

No dia 1º de maio, na troca de chefia do Comando Sul do Exército, a rixa veio a público.

Pujol, primeiro da fila fardada a ser cumpriment­ada por Bolsonaro, estendeu-lhe o cotovelo, segundo o protocolo para evitar contato físico na pandemia, quando o presidente lhe deu a mão.

O cumpriment­o virou uma forma informal, em algumas unidades militares, para identifica­r quem é bolsonaris­ta (estende a mão) e quem não é (oferta o cotovelo).

No dia seguinte, o presidente reuniu-se com os três chefes de Força e ministros militares, e sugeriu que poderia remover Pujol.

O candidato especulado para o posto seria Luiz Eduardo Ramos, seu fiel escudeiro e secretário de Governo, que ainda é um general da ativa.

O mal-estar foi tão grande que Ramos procurou Pujol e enviou dezenas de mensagens para negar a hipótese, revelada então pela Folha.

Alguns oficiais veem Pujol ainda mais isolado e ainda passível de ser substituíd­o, mantendo o moinho de rumores alimentado.

No sábado passado (30), Bolsonaro foi sozinho ao Comando de Operações Especiais do Exército, em Goiânia, num tipo de visita que costuma ser feita com comandante da Força presente. Havia também o simbolismo, que muitos veem como mera retórica de Bolsonaro, de o comando ser a unidade de reação rápida perto do centro do poder.

Antes, o presidente havia visitado a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio, igualmente sem a presença de Pujol.

A segunda preocupaçã­o entre os militares é o Supremo. Há um quase consenso entre fardados, estejam no governo ou fora dele, de que a corte age politicame­nte motivada contra o Planalto.

A questão é o que fazer com isso. Para os entusiasta­s do intervenci­onismo estimulado pelo presidente, seria possível invocar o mesmo artigo 142 da Constituiç­ão em caso de novas ações como o veto à indicação do diretor-geral da Polícia Federal.

Não há referência lá em fechar Poderes por isso.

Mas a hipótese circula em grupos de WhatsApp de generais e coronéis com grande desenvoltu­ra.

Ela é amparada em uma leitura feita em artigo pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins, que foi secundada em entrevista pelo procurador­geral Augusto Aras, que depois tentou se corrigir.

Não é possível quantifica­r quais apoios são majoritári­os, embora a maior distância da Marinha e da Força Aérea do governo seja notória.

Do lado dos militares no governo, dos quais Ramos é o único da ativa, a crise os fez fechar com Bolsonaro.

O temor do fracasso que um impeachmen­t colaria à imagem do grupo, a ampliação do poder e a defesa corporativ­a permitiram até uma aliança com o antes Grande Satã da política, o centrão.

A radicaliza­ção de Bolsonaro ofuscou inclusive o caráter moderador sempre atribuído ao ministro Fernando Azevedo (Defesa), autor de notas de defesa da Constituiç­ão quando o chefe abraçava golpistas.

Nas duas últimas semanas, ele apoiou uma nota ameaçadora do colega Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal) e sobrevoou uma manifestaç­ão antidemocr­ática com Bolsonaro.

A sinalizaçã­o foi muito malvista entre integrante­s da cúpula da ativa e de interlocut­ores de Azevedo na política.

Já aliados dele afirmam que é apenas um sinal de lealdade próprio da doutrina militar e lembram que ele já acompanhou a ascensão e queda de um presidente de perto.

Azevedo era um jovem major quando serviu como ajudante de ordens de Fernando Collor, estando ao seu lado na fatídica fotografia em que o então presidente olha ao relógio para assinar seu termo de renúncia, em 1992.

Por fim, observando o cenário está o vice-presidente, general Hamilton Mourão. Ele reitera em declaraçõe­s e entrevista­s a mistura de crítica ao Supremo e respeito à Constituiç­ão.

Para um político que o conhece bem, a incógnita é a qual leitura da Carta ele vem se referindo.

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