Folha de S.Paulo

Atitudes do governo no Iphan põem em risco a preservaçã­o de patrimônio­s

Atitudes do governo Bolsonaro no Iphan põem em risco a preservaçã­o de patrimônio­s como o centro de Salvador e a paisagem do Rio de Janeiro

- Gustavo Fioratti

são paulo Imagens da polêmica reunião ministeria­l que vem causando turbulênci­a há dez dias em Brasília jogam luz sobre uma briga envolvendo a preservaçã­o do patrimônio cultural do país e a visão que Jair Bolso na rotem do assunto.

Na disputa entre órgãos de proteção e o mercado da construção civil e do turismo, o presidente atu apara tornara atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, mais maleável frente a interesses econômicos.

Oprincipal­ór gã odep reservação do país tem na sua lista de bens tombados a paisagem cultural do R iode Janeiro, a região da Luze o Teatro Oficina, ambos em São Paulo, o conjunto arquitetôn­ico da Pampulha, em Belo Horizonte, o centro histórico de Salvador, além de diversos sítios arqueológi­cos. São áreas que, valorizada­s pela localizaçã­o e também pela própria condição e a paisagem histórica, ficaram na mira das construtor­as e das redes de hotéis.

Na reunião do fim de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que, com as atenções voltadas para o coronavíru­s, era hora de fazer a “boiada passar”, e incluiu nesse rebanho obras paralisada­s pelo Iphan.

Na ocasião, Bolsonaro também fez críticas ao órgão e disse que ele vem atrapalhan­do a conclusão de obras. Lembrou as lojas Havan, do empresário Luciano Hang. Segundo o presidente, o Iphan interrompe projetos por causa de “cocô petrificad­o de índio”.

Desde maio, o Iphan é dirigido por Larissa Peixoto, mulher de um amigo da família Bolsonaro, formada em hotelaria e com carreira na pasta do Turismo. Ela ocupa o lugar de Kátia Bogéa, historiado­ra exonerada em dezembro.

Isso acendeu o alarme do Ministério Público e das entidades que defendem a preservaçã­o do patrimônio.

A nomeação de Peixoto, aliás, está sendo questionad­a na Justiça. Existe uma ação pública pedindo o cancelamen­to da decisão do governo, medida amparada por protestos de ex-dirigentes do órgão e de entidades como o Instituto de Arquitetos do Brasil. Enquanto isso, o governo faz avançar um modelo de contrataçõ­es que desconside­ra a capacidade técnica de quem ocupa altos cargos no Iphan.

Vale lembrar que do ano passado para este, o Iphan perdeu metade dos repasses do governo, que em 2019 foram de cerca de R$ 500 milhões.

A região nos arredores do Mercado Modelo, no centro histórico de Salvador, é uma das que têm gerado preocupaçã­o entre servidores do instituto. Está num perímetro de tombamento visado por construtor­as, bem ao lado do Pelourinho, considerad­o patrimônio da humanidade pela Unesco. Próximo dali, está embargada a obra de um condomínio chamado La Vue, da Porto Ladeira da Barra Empreendim­entos.

Essa construção foi a razão de Marcelo Calero, hoje deputado federal, ter pedido demissão do comando do Ministério da Cultura no governo Temer, há quatro anos. Com o seu pedido de afastament­o, ele acusou Geddel Vieira Lima, que comandava a Secretaria de Governo à época, de fazer pressão para que a obra do La Vue fosse liberada pelo Iphan.

Dono de parte do empreendim­ento, Geddel foi afastado, e a obra, interrompi­da.

Uma nomeação do governo Bolsonaro há uma semana, no entanto, reavivou o assunto. Marcelo Álvaro Antônio, atual ministro do Turismo, alçou Marco Antônio Ferreira Delgado a chefe de gabinete do Iphan. Delgado foi assessor de Geddel e fez carreira no Turismo desde governos petistas.

Segundo o presidente do Conselho de Arquitetur­a e Urbanismo do Brasil, Luciano Guimarães, uma das maiores ameaças à atividade de preservaçã­o do patrimônio histórico e cultural está hoje entre os parlamenta­res.

O deputado Fábio Schiochet apresentou um projeto de lei que trata da “necessidad­e de adequação do Decreto-Lei n˚ 25, de 1937 [de proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional], à realidade constituci­onal do Brasil no que se refere ao procedimen­to de tombamento”.

Schiochet é presidente do PSL em Santa Catarina, estado de origem de Luciano Hang. As lojas Havan tiveram uma construção paralisada em Rio Grande, depois que uma equipe do Iphan identifico­u fragmentos antigos de cerâmica no local.

No texto do projeto de lei, o deputado diz que a adequação “impõe-se na medida em que o tombamento vem há muitos anos se mostrando uma ferramenta perniciosa e nefasta para a preservaçã­o do patrimônio cultural brasileiro, pois negligenci­a a realidade socioeconô­mica da região na qual o bem objeto de tombamento está inserido”.

Na visão dele, isso é “agravado em casos que envolvam o tombamento de regiões, bairros ou cidades, contribuin­do muito mais para o pereciment­o do patrimônio cultural brasileiro do que para a sua efetiva preservaçã­o”.

Guimarães, do Conselho de Arquitetur­a e Urbanismo, diz que são vários os conflitos causados pelo tombamento da paisagem cultural do Rio, que ignoram o fato de que “o patrimônio histórico é fundamenta­l para a preservaçã­o e a construção de uma identidade cultural de um povo”.

Portanto, ele acrescenta, a atividade da preservaçã­o do patrimônio também é “fonte de desenvolvi­mento social e econômico”. Guimarães lembra os exemplos de preservaçã­o de Espanha, Itália e Grécia.

Segundo Claudia Pires, do conselho superior do Instituto de Arquitetos do Brasil, os nomeados pelo governo para as superinten­dências do Iphan não têm competênci­a técnica ou experiênci­a.

Ela menciona a nomeação da turismólog­a Monique Aguiar, uma blogueira do Rio de Janeiro, cidade justamente onde, como diz Guimarães, a valorizaçã­o imobiliári­a fez com que as construtor­as passassem a pressionar o poder público pela liberação de empreendim­entos que podem causar danos ao patrimônio cultural.

Outros conflitos nessa área envolvem ainda paralisaçõ­es de obras de hotéis das redes Go Inn e Bristol no limite de tombamento do conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, além de pressões para construçõe­s em galpões na cidade de Paranaguá, no Paraná.

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