Folha de S.Paulo

Luiz Inácio não vai com os outros

- Bruno Boghossian

Lula rejeita a aliança com movimentos democrátic­os por crer que o PT possa se contrapor sozinho a uma recessão sob o atual governo. Está disposto a alimentar divisão que pode facilitar o caminho para investidas autoritári­as de Bolsonaro.

brasília A quatro dias do segundo turno de 2018, Lula cobrou a união de “todos e todas que defendem a democracia”. Numa carta escrita da prisão, o ex-presidente anotou que o país caminhava em direção a uma “aventura fascista” e afirmou: “É o momento de unir o povo, os democratas, todos e todas em torno da candidatur­a de Fernando Haddad”.

O petista agora indica que aquela era uma peça de marketing de baixa qualidade. Nos últimos dias, ele criticou esforços pela criação de uma frente contra tendências autoritári­as de Jair Bolsonaro. Classifico­u manifestos em defesa da democracia como projetos da elite e desestimul­ou o PT a aderir aos movimentos.

“Sinceramen­te, eu não tenho mais idade para ser maria vai com as outras”, afirmou o ex-presidente num evento do partido, na segunda (1º).

A rejeição ao governo se alargou, mas Lula só parece preocupado em preservar hegemonia em seu próprio campo político. O ex-presidente se recusa a compartilh­ar a liderança de um pacto de oposição e resiste a abrir mão de itens de sua agenda em nome de princípios mais abrangente­s.

Para o petista, os movimentos pela democracia são parte de um plano da elite para “voltar a governar o país sem o PT”, ignorando a agenda de redistribu­ição de renda que se tornou marca da sigla. Sem perceber que o eixo de contestaçã­o a Bolsonaro se desloca rapidament­e para o centro e para a direita, no entanto, ele corre o risco de ser atropelado também dentro da esquerda.

Alguns aliados de Lula dizem que o ex-presidente se comporta de maneira pretensios­a e autocentra­da. Eles entendem que é preciso unir forças políticas com programas distintos e admitem que a esquerda pode não ser capaz de disputar o comando dessa frente neste momento.

Lula rejeita essa aliança por acreditar que o PT pode se contrapor sozinho a uma possível recessão econômica sob o atual governo. Em nome desse projeto, ele se mostra disposto a alimentar uma divisão que pode facilitar o caminho para as investidas autoritári­as de Bolsonaro.

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