APÓS AMEAÇA, ATOS GANHAM FORÇA
Fala militar do presidente americano gera críticas; autoridades de UE e ONU apoiam movimento
Manifestantes protestam contra o racismo em Nova York, um dia após o presidente Donald Trump falar em reação militar; distúrbios se espalham também para fora dos EUA
washington Donald Trump deu um ultimato, mas não arrefeceu os protestos contra a violência policial e o racismo nos EUA. O presidente americano ameaçou na segundafeira (1º) mandar às ruas milhares de soldados do Exército caso prefeitos e governadores não consigam conter as manifestações que atingem pelo menos 140 cidades do país.
Apesar do tom agressivo, os atos continuaram durante e depois do discurso de Trump, resultando em mais uma madrugada tensa, com pelo menos cinco policiais baleados e centenas de pessoas presas em vários estados. Nesta terça (2), as manifestações que pedem justiça pela morte de George Floyd completam uma semana em Minneapolis e, de lá, espalharam-se pelos EUA e ganharam tração fora do país.
Além de atos em Sydney e Paris nesta terça e em Amsterdã, Londres, Berlim, Barcelona e Cidade do México nos últimos dias, representantes da União Europeia e da ONU apoiaram os protestos.
Aos 46 anos, Floyd foi morto na segunda (25) depois de ter o pescoço prensado por quase 9 minutos pelo joelho de um policial branco.
Na noite de segunda, diante da Casa Branca, Trump tentou refletir sua retórica. Colocou tanques blindados, soldados e a cavalaria para avançar sobre manifestantes pacíficos.
Para tentar sinalizar força e controle, queria atravessar a praça onde aconteciam os atos e posar para foto em frente à igreja de St. John, parcialmente vandalizada no domingo.
A ação do presidente foi criticada por diversos líderes religiosos da cidade, inclusive por integrantes da própria St. John que, antes da dispersão forçada, distribuíam água e alimentos aos ativistas.
“O presidente posou com a Bíblia e usou uma de nossas igrejas, sem a nossa permissão, como apoio para dar uma mensagem que vai contra os ensinamentos de Jesus e contra tudo o que nossa igreja defende. Estou indignada”, disse a bispa Mariann Budde.
Outra crítica pesada veio do chefe da polícia de Houston, Art Acevedo. Em entrevista à CNN, ele se dirigiu a Trump, falando em nome dos chefes de polícia de todo o país: “Se você não tem algo construtivo a dizer, cale a sua boca. Porque você está colocando homens e mulheres nos seus 20 e poucos anos em risco. Não se trata de dominar, e sim de conquistar corações e mentes”.
Nesta terça, as grades que protegiam a sede do governo americano eram maiores que as de segunda, e o efetivo policial também estava muito mais reforçado do que o dos últimos dias em toda a cidade.
As medidas, porém, não alteraram a dinâmica dos protestos, que começaram na terça ainda mais numerosos que os atos de segunda e se tornaram os maiores na cidade desde sexta, primeiro dia de manifestações na capital. Milhares se dirigiam à Casa Branca perto das 18h, uma hora antes do início do toque de recolher estipulado na cidade.
Quase uma horas depois do toque em vigor, perto das 20h, a multidão permanecia em frente à Casa Branca, em um ato pacífico e sem confronto com a polícia até então.
Um homem que subiu em um dos postes para arrancar a placa com nome de rua foi vaiado pelos ativistas, que pediam que ele não vandalizasse o local. No fim da ação, houve um início de briga, mas a situação foi logo controlada pelos demais, que pediam “paz pelo protestos”.
Um morador na região de Logan Circle, a cerca de 3 km da Casa Branca, chegou a abrigar 70 ativistas em sua casa para esperar a passagem da polícia, que reprimia os atos.
Nesta terça, Trump foi ao Twitter durante as manifestações para dizer que “Washington era o lugar mais seguro da Terra na noite” de segunda.
A madrugada de terça também teve confrontos em outras cidades. Em Nova York, pouco depois das 23h (0h em Brasília), quando o toque de recolher entrou em vigor, mais de cem pessoas se reuniram de maneira pacífica no Brooklyn e se ajoelharam para homenagear as vítimas da violência dos últimos dias. Os policiais observaram a distância.
Houve também saques, tumulto e prisões na cidade, e o prefeito Bill de Blasio adiantou o toque de recolher para 20h (21h de Brasília) nesta terça. A medida vai até domingo (7).
Ainda na madrugada de terça, quatro policiais foram hospitalizados em St. Louis, no Missouri, após levarem tiros em meio a confrontos. Eles não correm risco de morrer.
Outro policial foi baleado em Las Vegas, onde ao menos dois incidentes envolvendo troca de tiros são investigados. Em Los Angeles, manifestantes atearam fogo a um centro comercial. Em Oakland, também na Califórnia, mais de 40 foram presos por desrespeitar o toque de recolher.
Segundo levantamento da Associated Press, mais de 5.600 foram presos desde o início dos protestos. Os atos têm seguido de forma pacífica de dia, mas à noite grupos se dividem, e o clima muda.
Apesar das críticas dos conservadores, analistas afirmam que ações como a queima de viaturas ou a depredação de delegacias, por exemplo, caso não atinjam pessoas, têm simbolismo e podem ser tratadas como forma de luta política.
Às vésperas da eleição de novembro, opositores a Trump aproveitaram esta terça para criticar o presidente. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, emitiram comunicado conjunto.
“Em um momento em que nosso país clama por unificação, este presidente o está dilacerando. Lançar gás lacrimogêneo em manifestantes pacíficos, sem provocação, só para que o presidente pudesse posar para fotos do lado de fora de uma igreja desonra todos os valores que a fé nos ensina.”
O chefe de diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou em discurso televisionado que a organização está “chocada” e “horrorizada” com a morte de Floyd.
A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse em comunicado que os protestos jogam luz não só sobre a violência policial contra negros, mas também sobre a desigualdade histórica vivida por essa população no acesso a saúde, educação e mercado de trabalho.
Já o virtual candidato democrata à Presidência, Joe Biden, prometeu tomar medidas, caso eleito, para enfrentar o racismo e a violência policial, além de tentar unificar o país. Disse que lidar com essas questões é “trabalho para uma geração” .
Mesmo que não consiga abarcar integralmente essas questões, Biden afirmou que não “negociará no medo e na divisão”. “Não vou acender as chamas do ódio. Vou procurar curar as feridas raciais que há muito atormentam este país —não usá-las para obter ganhos políticos.”