Folha de S.Paulo

Quando o chefe é a crise

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Os mais novos talvez não acreditem, mas, nos EUA dos anos 90, democratas e republican­os eram indistingu­íveis em suas crenças sobre o aqueciment­o global. Naqueles tempos, vacinas e cesarianas não provocavam discussões políticas, e autores respeitáve­is podiam escrever sem passar vergonha que não faria muita diferença se os EUA tivessem um presidente democrata ou republican­o, desde que Alan Greenspan permaneces­se no comando do Fed, o banco central daquele país.

Obviamente, não dá para dizer que nos anos 90 não existia ideologia. Ela estava lá, mas havia uma espécie de etiqueta comportame­ntal observada por todas as pessoas educadas e, principalm­ente, pelas lideranças políticas.

Era inconcebív­el, por exemplo, que, num momento de grave crise, o presidente americano, fosse ele democrata ou republican­o, não apelasse a um discurso de união nacional e recebesse apoio ao menos parcial da oposição e do público.

Hoje, o presidente americano é a crise. Donald Trump não é o responsáve­l pelo assassinat­o de George Floyd, mas suas reações ao pavoroso episódio não só não contribuír­am para pacificar a nação como ajudam a incendiar os protestos.

É difícil dizer até que ponto ele age assim por método ou por maldade. Trump pertence à escola de políticos populistas que busca sempre criar conflitos que explorem as divisões ideológica­s para energizar sua base. Mas seguir esse roteiro não implicaria escolher sempre a posição mais imoral. Isso ele parece fazer por gosto mesmo.

O ponto central é que, ao longo das últimas décadas, houve uma brutal polarizaçã­o na paisagem política dos EUA, que se manifesta em múltiplas facetas. Curiosamen­te, nos modorrento­s anos 90, muitos cientistas políticos e jornalista­s se queixavam da pouca diferencia­ção ideológica entre os dois principais partidos e cobravam mais polarizaçã­o. Dizem que os deuses punem os mortais atendendo a seus desejos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil