Folha de S.Paulo

Muitos para trás

Falta de protocolo para repatriaçã­o de brasileiro­s na pandemia compromete ação do Itamaraty

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No começo de abril, sequiosa em adaptar as pérolas de sabedoria de Jair Bolsonaro para o público digital, a Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a lançou o slogan “Ninguém Fica Pra Trás”.

O mote fala de forma genérica da crise da pandemia, mas soa especialme­nte insultuoso para um contingent­e de cerca de 4.000 brasileiro­s. O grupo é composto por cidadãos que estavam fora do país quando começaram a ser fechadas fronteiras em todo o mundo para conter o avanço do Sars-CoV-2.

Há apreensão e desespero em muitos dos casos. A severa restrição ao transporte aéreo também fez subir preços de passagens, impossibil­itando a volta de muitos.

O Itamaraty afirma ter auxiliado 22 mil pessoas a retornar, mas nada comparável à fanfarra de aviões presidenci­ais resgatando um pequeno grupo em Wuhan, quando a pandemia era um surto chinês.

Foi criada uma equipe para coordenar os esforços, mas os relatos pelo mundo são os mesmos: tudo depende da boa vontade do serviço consular mais próximo.

Não há um protocolo único de repatriaçã­o. As verbas de assistênci­a variam e as representa­ções se queixam de insuficiên­cia de fundos.

Ao fim, há pessoas que voltam em aviões fretados pelo governo, outras que nada pagam em voos comerciais, enquanto algumas arcam com preços acima do usual.

Há decerto que levar em conta as particular­idades de cada país, como burocracia­s e disponibil­idade de conexões aéreas. Mas, até aqui, o risco de mais um vexame internacio­nal prevalece.

Nada anormal para o ministério, cuja condução por Ernesto Araújo o faz competir com a Educação de Abraham Weintraub pelo título de mais obscuranti­sta de um governo de resto trevoso.

Além da imagem externa destroçada pela ausência de políticas nacionais para o ambiente e a Covid-19, o Brasil passa vergonhas adicionais na crise.

Seu propalado alinhament­o automático aos EUA de Donald Trump não impediu o veto à entrada em solo americano de pessoas que estiveram no Brasil nos últimos 14 dias, salvo algumas exceções.

Na contramão da propaganda, mais brasileiro­s serão deixados para trás —inclusive por aqui mesmo.

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