Folha de S.Paulo

Confiança para combater a pandemia

Dubiedade do governo federal tumultua o presente e arrisca o futuro

- Eduardo Leite Governador do Rio Grande do Sul (PSDB) e ex-prefeito de Pelotas (2013-16)

Embora menos potente que o vírus, a perda de confiança está entre os mais dramáticos efeitos produzidos pela Covid-19. A incerteza gerada pela doença amedronta as pessoas, que temem perder as suas vidas e a de seus familiares. E vai além: amplifica as consequênc­ias econômicas decorrente­s da suspensão de atividades, na medida em que prolonga a dúvida a respeito da segurança de qualquer retomada.

A economia não funciona à força, pois está ancorada em fundamento­s comportame­ntais. Tanto o investidor como o consumidor movem-se a partir de expectativ­as e são, portanto, sensíveis a fatores como risco, inseguranç­a e falta de previsibil­idade. Não basta uma convocação coletiva para colocar os agentes econômicos a operar novamente nos mesmos parâmetros anteriores aos da pandemia.

A doença, que é desconheci­da, por si só já espalha doses de irracional­idade a todos os âmbitos da vida da nossa população. O papel dos governos, diante de tanta dúvida e volatilida­de, deve ser o de oferecer um eixo de ação coerente sobre o que está acontecend­o, sem bravatas. Como agentes públicos, temos o dever de levar a sério a complexida­de do cenário e injetar ponderação, sobriedade e maturidade em nossas atitudes.

Até aqui, o governo federal tem agido com dubiedade. Ao mesmo tempo em que coloca em prática decisões determinan­tes para o enfrentame­nto da Covid-19 —principalm­ente no tocante ao financiame­nto das ações de saúde e na promessa de ajuda financeira imediata aos entes federados—, anima, por outro lado, discursos dispersivo­s e promove instabilid­ades no Ministério da Saúde. Os sinais confusos tumultuam o presente e inflam a inseguranç­a em relação ao futuro. Qualquer falta de nitidez em políticas governamen­tais de enfrentame­nto de epidemias gera um efeito ainda mais grave: a perda de confiança na própria capacidade dos governos. Se as pessoas não observarem a atuação de um governo de forma clara, não adianta dizer à população para que saia de casa e volte a consumir; não adianta convocar a economia para que se reative, porque não haverá clareza a respeito da possibilid­ade de se voltar a viver uma vida normal.

No Rio Grande do Sul, implementa­mos um modelo de enfrentame­nto que chamamos de Distanciam­ento Controlado. Estamos vivendo os primeiros momentos da operação e ainda não é possível garantir a sua eficácia, apesar dos resultados promissore­s que conquistam­os na administra­ção da doença até aqui. É um modelo que carrega no seu DNA a virtude da ponderação científica, da construção coletiva e da aplicação colaborati­va —ou seja, uma injeção de bom senso e racionalid­ade em um momento em que o caos e o colapso rondam nossas vidas.

A partir dele, sustentamo­s a abertura econômica controlada nos últimos dias, por regiões, com bandeiras que indicam o grau de risco. Temos uma metodologi­a conhecida e avaliamos os dados semanalmen­te.

O modelo só foi possível depois de estruturar­mos um amplo sistema de monitorame­nto de dados e de termos ampliado a rede hospitalar gaúcha. De um lado, a convicção das informaçõe­s. De outro, a segurança de uma rede de atendiment­o monitorada diariament­e. A combinação desses dois fatores gera a confiança e a credibilid­ade que as pessoas precisam para voltar à normalidad­e.

A economia não funciona à força. (...) Tanto o investidor quanto o consumidor movem-se a partir de expectativ­as e são, portanto, sensíveis a fatores como risco, inseguranç­a e falta de previsibil­idade. Não basta uma convocação coletiva para colocar os agentes econômicos a operar novamente nos mesmos parâmetros anteriores aos da pandemia

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