Folha de S.Paulo

Por divergênci­as, Senado adia votação de projeto sobre fake news

- Paula Soprana e Iara Lemos

são paulo e brasília O projeto de lei sobre fake news foi retirado da pauta da sessão virtual do Senado desta terça-feira (2) após horas de discussão nos bastidores em relação a mudanças feitas no texto original.

A decisão pelo adiamento foi anunciada por um dos autores da proposta, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), após um acordo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O motivo, segundo Vieira, foi um atraso na finalizaçã­o do relatório em construção pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das Fake News. O tema deve voltar à pauta no dia 10.

Alvo de críticas de entidades progressis­tas, empresas e aliados do governo de Jair Bolsonaro, o projeto vinha sendo desidratad­o. Pontos sensíveis, classifica­dos de censura pelos críticos, foram retirados.

Na madrugada, um esboço que circulou entre os parlamenta­res foi duramente criticado, especialme­nte pelos autores do projeto.

O texto de autoria de Angeloi Coronel incorpora críticas recebidas em consulta pública e altera uma série de pontos considerad­os preocupant­es por organizaçõ­es ligadas a direitos na internet.

“O texto que circulou na madrugada não tinha condições de ser votado. Mudou muito do que estamos propondo, impossível ser colocado em votação daquela forma. Conversamo­s com o relator, e agora ele vai ter mais tempo de fazer as mudanças”, afirmou Vieira.

A minuta de relatório de Coronel exigia documentos de identifica­ção para cadastro em redes sociais, como CPF e RG, e permitiria que delegados de polícia ou membros do Ministério Público requisitas­sem a provedores de aplicações de internet, como redes sociais, essas informaçõe­s.

Também criava um “sistema de pontuação das contas de usuários” com base, por exemplo, no “histórico de conteúdos publicados”. Chamado de “score chinês” por críticos ao projeto, deve ser eliminado.

A redação original do projeto foi apresentad­a em duas frentes: na Câmara, pelos deputados Tabata Amaral (PDTSP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), e no Senado, por Alessandro Vieira. O texto avançou no Senado e foi modificado nos últimos dias, Após críticas. Também nesta terça, Tabata e Rigoni retiraram o projeto anterior e apresentar­am nova versão.

A ideia do texto é que pessoas que financiam redes de robôs ou contas falsas que cometem crimes como difamação em redes sociais sejam enquadrada­s nas leis de organizaçã­o criminosa (12.850/2013) e de lavagem de dinheiro (9.613/1998), que preveem penas de 3 a 10 anos de prisão.

A minuta do senador Angelo Coronel, que causou polêmica durante a madrugada, estipulava que contas na internet tivessem verificaçã­o da identidade de seu responsáve­l. Ele exigia cópia de documento de identifica­ção com foto, cópia do CPF ou CNPJ e de comprovant­e de endereço.

“Os provedores de aplicação [como redes sociais] deverão manter banco de dados com todas as informaçõe­s e documentos utilizados na identifica­ção de suas contas”, dizia.

Para especialis­tas, isso burocratiz­a o acesso às redes e fornece a empresas privadas mais dados além dos que elas já coletam. “Agregar CPF, RG e endereço é temerário porque piora o conjunto de dados que as grandes empresas têm. É uma medida inédita e, no limite, pode ser vista como um tratamento de usuários como potenciais criminosos, além de burocratiz­ar o acesso”, diz Bruna Martins dos Santos, analista de políticas públicas na organizaçã­o Coding Rights.

A ideia de incluir CPF em cadastros não é nova, ronda o Legislativ­o desde a promulgaçã­o do Marco Civil da Internet, em 2014.

“É uma proposta zumbi, cria mais problemas do que soluciona. A identifica­ção real na internet gera um ambiente muito propício para a vigilância absoluta”, diz Danilo Doneda, professor do IPD (Instituto Brasiliens­e de Direito Público).

Sobre o sistema de pontuação, o texto de Coronel dizia que o provedor de aplicação, como redes sociais e outros sites, deve manter um banco de dados com tempo desde a abertura da conta, “manifestaç­ões dos demais usuários”,

“É uma mistura de score da China [pontuação para usuários] com um episódio de ‘Black Mirror’. O texto não foi modificado, ele foi reescrito Pablo Ortellado professor da USP e colunista da Folha

histórico de conteúdos publicados e de reclamaçõe­s.

“É uma mistura do sistema de score da China com um episódio de ‘Black Mirror’ [que mostra uma sociedade distópica de vigilância]. O texto não foi modificado, ele foi reescrito, desconside­rando o funcioname­nto de serviços de internet e padrões de regulação internacio­nal”, diz Pablo Ortellado, doutor em filosofia, professor da USP e colunista da Folha.

Em entrevista à Folha antes do adiamento da pauta, o senador Angelo Coronel afirmou que esse ponto seria revisto. Mas a identifica­ção por documentos tende a ser mantida.

“Se não colocar identifica­ção, continuam as fake news. A própria rede vai ter um campo para que ele [usuário] se cadastre. Evita a proliferaç­ão de pessoas que usam rede social de forma criminosa”, afirmou.

Nos casos de investigaç­ão criminal, a polícia hoje persegue o conteúdo até chegar no IP, o que na visão do senador é insuficien­te. “Estou na CPMI das Fake News há seis meses. A gente pede e as empresas não dão”, diz.

“Agregar CPF, RG e endereço pode ser visto como tratamento de usuários como potenciais criminosos, além de burocratiz­ar o acesso Bruna Martins dos Santos analista da Coding Rights

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