Folha de S.Paulo

Presidente evita imprensa e abre espaço a youtubers

- Daniel Carvalho

brasília Acuado politicame­nte e medindo forças com o STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente Jair Bolsonaro passou a adotar uma estratégia de comunicaçã­o em que evita perguntas de jornalista­s e abre espaço para youtubers simpáticos a ele.

Na semana passada, influencia­dores digitais bolsonaris­tas foram alvo de operação da Polícia Federal no âmbito do inquérito do STF que apura a disseminaç­ão de notícias falsas pela internet.

Um dia após a operação, Bolsonaro não escondeu sua irritação em pronunciam­ento sem espaço para perguntas de jornalista­s diante do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente.

“Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor sob o argumento mentiroso de fake news”, disse.

Nesta segunda e terça, o presidente também evitou a imprensa na saída do Alvorada.

No dia 25 de maio, ele apareceu diante dos apoiadores que o aguardavam no local acompanhad­o do youtuber Fernando Lisboa, do Vlog do Lisboa, canal que tem 532 mil inscritos no YouTube e 78,6 mil seguidores no Twitter.

Pouco antes da aparição, o influencia­dor tomou café da manhã com o presidente. Lisboa não foi alvo da operação deflagrada dois dias depois. Em seus vídeos, há elogios a Bolsonaro e críticas a ministros do Supremo, governador­es, como João Doria (PSDBSP), e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A imprensa também é alvo dos ataques de Lisboa. No dia em que acompanhav­a Bolsonaro, ele transmitiu as agressões verbais de simpatizan­tes do presidente aos jornalista­s. Horas depois, minimizou os episódios de hostilidad­e.

“Se a mídia não quer ser hostilizad­a, me desculpa, tome um pouco de vergonha na cara, que é bom, um pouco de semancol, caráter, e mostra a verdade. Ninguém está pedindo aqui para ficar bajulando o Bolsonaro, não. Mas que mostre a verdade, só isso. Ok?”, afirmou em vídeo assistido por quase 64 mil pessoas.

No dia 23, Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada um grupo de youtubers e deputados de sua tropa de choque. Entre os influencia­dores estava Bárbara Zambaldi Destefani, 33, responsáve­l pelo canal Te Atualizei, com 586 mil inscritos no Youtube, e pelo perfil @taoquei1, seguido por cerca de 250 mil internauta­s no Twitter.

No fim de semana, Destefani publicou entrevista de 52 minutos com Bolsonaro. Para gravar o vídeo “O homem por trás da República - Entrevista com o presidente Jair Messias Bolsonaro”, assistido mais de 880 mil vezes, ela foi recebida também no Planalto, segundo a agenda oficial do presidente.

O encontro ocorreu horas antes de vir a público vídeo da reunião ministeria­l de 22 de abril, citada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em depoimento à Polícia Federal como evidência de que Bolsonaro desejava interferir na autonomia da PF.

A influencia­dora anuncia perguntas que, segundo ela, “normalment­e as pessoas não perguntam, que não têm interesse em perguntar porque o Brasil, atualmente, vive de polêmicas, de narrativas”.

Em seguida, vêm questionam­entos como “qual o dia mais feliz da sua vida?”, “o melhor momento do dia é...?”, “o senhor é caçado pela mídia, sua família é perseguida, 90% do que o senhor fala é deturpado...” e “o que te faz acordar todos os dias para mais um dia?”.

A youtuber aparece no despacho do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que deflagrou a operação da PF contra o esquema de fake news. O ministro diz que uma rede de 11 perfis no Twitter, entre os quais o @taoquei1, atua de modo sincroniza­do para espalhar ataques contra adversário­s de Bolsonaro e conteúdo falso.

Moraes pediu a quebra de sigilo de identidade de três perfis, entre os quais o @taoquei1.

A Folha entrou em contato com Fernando Lisboa e Bárbara Destefani através de suas contas no Twitter no domingo (31), mas não houve retorno até a conclusão desta edição.

Em um vídeo na internet, Destefani diz que apareceu no inquérito do STF porque entrevisto­u Bolsonaro.

“Se vão fazer uma busca e apreensão na minha casa, não sei. O que eu sei, tenho certeza absoluta, é que, quando a PF chegar na minha casa, se isso acontecer, para pegar meu celular e o meu computador, eles não vão nem abrir, vão ter certeza que eu não sou financiada”, disse a influencia­dora.

No início da semana passada, a Secom (Secretaria de Comunicaçã­o) da Presidênci­a anunciou que está debatendo a criação de rede para distribuir conteúdo sobre o governo federal a veículos regionais “com o objetivo de democratiz­ar e regionaliz­ar o acesso à informação e fontes oficiais“.

A estratégia de valorizar blogueiros simpáticos ao governo e de tentar espaço na mídia regional também foi adotada pelo ex-presidente Lula (PT).

“Atualmente, os fatos que ocorrem em Brasília são divulgados, em sua maioria, por grandes veículos de circulação nacional. A ideia do projeto é dar uma atenção às empresas de comunicaçã­o regional que têm dificuldad­e de manter suas equipes de jornalismo na capital federal”, diz o material de divulgação da Secom da gestão Bolsonaro.

A Secom tem sido criticada nas redes sociais durante a pandemia. A comunicaçã­o oficial ignora os números de mortos e, no “placar da vida”, enumera apenas os números de infectados, de “brasileiro­s salvos” e dos que estão “em recuperaçã­o”.

Aos que reclamam, o perfil da Secom responde que “todos os dados sobre o coronavíru­s no Brasil são atualizado­s diariament­e pelo Ministério da Saúde no portal http:/ covid.saude.gov.br, lá você encontra todas as informaçõe­s”.

Na quinta-feira (28), uma internauta indagou se não publicar o número de mortos é uma estratégia. “Não é estratégia, aqui o foco é celebrar as vidas que foram salvas. Os números negativos já são bastante divulgados pela mídia”, respondeu o perfil oficial do governo, mais uma vez indicando o site do Ministério da Saúde aos interessad­os.

No domingo (31), a Folha procurou o secretário da comunicaçã­o, Fabio Wajngarten, e a assessoria de imprensa da Presidênci­a, mas não teve resposta. Na segunda-feira, Bolsonaro recebeu apoiadores na parte interna do Alvorada e disse: “A imprensa não vai poder dizer mais que eu estou agredindo ela, está certo?”.

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