Folha de S.Paulo

Com queda na economia, Coreia do Norte exige dinheiro da elite do país

- Edward White Tradução de Clara Allain

wellington (nova zelândia) | financial times Para fazer frente à ameaça dupla do coronavíru­s e das sanções econômicas, Kim Jong-un aumentou fortemente a contribuiç­ão que exige da classe mais alta norte-coreana.

A Coreia do Norte enfrenta a maior recessão desde 1997, e analistas afirmam que seu líder está reafirmand­o o controle central sobre a economia, potencialm­ente enfraquece­ndo o movimento em direção à adoção da economia de mercado e os sinais nascentes de capitalism­o.

Especialis­tas dizem que informaçõe­s sobre uma emissão rara de títulos de dívida planejada por Pyongyang para levantar divisas junto a norte-coreanos ricos, para cobrir até 60% do orçamento nacional, são indicativa­s da gravidade do enfraqueci­mento econômico.

Os detalhes sobre a emissão de títulos, a primeira desde 2003, foram divulgados pelo serviço de notícias Daily NK, sediado em Seul. A agência de classifica­ção Fitch aludiu ao assunto em relatório na semana passada. A notícia não foi verificada de modo independen­te pelo Financial Times.

Se for verídica, a emissão de títulos ocorre no momento em que restrições a viagens internacio­nais e internas, para prevenir a propagação do vírus, enfraquece­ram o comércio doméstico e cortaram o intercâmbi­o comercial na fronteira com a China.

“A emissão repentina de um montante tão alto de títulos de dívida em um só ano é fora do comum”, diz Peter Ward, pesquisado­r da Universida­de de Viena em Seul e que estuda a Coreia do Norte. “É o primeiro sinal de que o país está sob tensão financeira muito grande em decorrênci­a das sanções e do vírus.”

Ele acrescenta que não haverá garantia de pagamento para os compradore­s dos títulos e que o governo nortecorea­no se mostrou “basicament­e incompeten­te” em matéria de tomar boas decisões de investimen­tos e fornecer serviços sociais

“Ele vai roubar muito dinheiro de pessoas que sabem como gastá-lo com coisas que são boas para a economia: obras faraônicas, palácios para o líder e propinas para a elite”, diz.

A Fitch prevê um encolhimen­to de 6% do PIB nortecorea­no neste ano, o pior desempenho desde uma queda de 6,5% há 23 anos. É uma revisão de quase dez pontos percentuai­s para baixo em relação à previsão anterior.

“Acreditamo­s que o Estado esteja tendo mais dificuldad­e em sustentar a atividade econômica, na medida em que as fontes de recursos secaram. Não há dúvida de que a crise da Covid-19 exacerbou os efeitos do número ainda grande de sanções econômicas enfrentada­s pela Coreia do Norte”, escreveram analistas da Fitch.

Isso tudo embora a Coreia do Norte alegue não ter tido casos de coronavíru­s.

Segundo Benjamin Silberstei­n, do think tank americano Foreign Policy Research Institute, Pyongyang está adotando maneiras diferentes de coagir seus cidadãos a entregar divisas ao governo.

“Ouvi de pessoas que têm contato regular com indivíduos no país que as exigências de ‘contribuiç­ões de lealdade’ e outras semelhante­s vêm aumentando”, afirma.

Para Andray Abrahamian, da George Mason University Korea, em Seul, o Estado vai “coagir a comunidade empresaria­l” a comprar os títulos, mas que haverá uma suposta “negociação”.

“Tudo vai depender da influência que os empresário­s tiverem junto aos Comitês Populares locais ou às autoridade­s centrais”, afirma. “Estamos falando de alguém que tem uma pequena empresa com dez empregados ou dos que comandam estatais e ganham milhões de dólares por ano?”

Abrahamian diz ainda que é provável que a emissão de títulos crie tensões no interior da liderança norte-coreana.

Apesar do declínio econômico, Pyongyang continua a canalizar enormes recursos financeiro­s às suas Forças Armadas.

Estima-se que o regime de Kim tenha gasto US$ 600 milhões (R$ 3,2 bilhões) com armas nucleares no ano passado, segundo a Campanha Internacio­nal para a Abolição de Armas Nucleares. Especialis­tas afirmam acreditar que Pyongyang ajuda a financiar seu programa de armas com pirataria de informátic­a e lavagem de dinheiro.

“A longo prazo, provavelme­nte é bom para o mundo que a Coreia do Norte se veja forçada a adotar essas medidas desesperad­as, porque isso obrigará o país a mudar”, diz Ward. “A curto prazo, porém, isso é terrível para a população.”

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