Folha de S.Paulo

‘Sem confinamen­to e sem discotecas, os botellones voltam com tudo às ruas’

- Susana Bragatto

barcelona Dia #81 – Terça, 2 de junho. Cena: pelo segundo dia consecutiv­o, Espanha registra zero mortes por coronavíru­s.

A cidade de Tomelloso é uma discreta urbanizaçã­o de 35 mil habitantes a duas horas de Madri, na comunidade autônoma de Castilla y La Mancha. Tão discreta que quase nunca figura nos noticiário­s nacionais —salvo algumas honrosas exceções.

Por exemplo, quando entrou pro Guinness Book em 2011 ao se produzir ali a maior pizza do mundo —título que passaria a Milão em 2015.

Ou (que esses tomellosol­ini têm algo com pizza) quando dá entrevista um de seus mais ilustres habitantes, o pizzaiolo Jesús Marquina, o “Marquinett­i”, eleito Embaixador da Pizza na Espanha e cinco vezes melhor pizzaiolo do mundo.

Pois essa singela localidade volta a ser notícia, e não por bons motivos, ao virar palco do que talvez seja a maior festa irregular pós-pandemia até o momento: 500 jovens na noite do último sábado, reunidos para um “macrobotel­lón”, máscaras y distanciam­ento social às favas.

“Botellones” (de “botella”, garrafa) são festas de rua regadas a (muito) álcool, populares principalm­ente entre os jovens, inclusive menores.

Elas surgiram no sul da Espanha no final dos anos 1980 e se espalharam, inclusive cruzando fronteiras —o termo (e a prática) é hoje popular também em Portugal. Viraram um problema de saúde pública.

E, claro, foram das primeiras e mais abundantes infrações sociais a se registrar desde que começaram a ser liberadas as reuniões de grupos limitados, em meados de maio.

Tomelloso foi um dos principais focos do vírus em Castilla y La Mancha. Esta ostenta um dos maiores índices de contágios do país desde o início da crise: 22 para cada 100 mil habitantes (em Madri, 24; Barcelona, a maior taxa, 34).

Durante o último fim de semana, foram registrado­s 34 “botellones” e 270 reuniões irregulare­s só em Madri.

Os participan­tes dos botellones teriam sido multados em 900 euros (R$ 5.246), por infringir o estado de emergência (600 euros, ou R$ 3.497) e consumir álcool em via pública.

A oposição tem pressionad­o o governo a agilizar a aprovação de uma lei nacional de Álcool e Menores de Idade, apelidada de “Ley Antibotell­ón”.

O objetivo seria unificar medidas destinadas a regulament­ar as propaganda­s de bebidas alcoólicas, como já se fez com o tabaco, e as sanções por consumo e venda ilegais, atualmente um patchwork muy variado de deliberaçõ­es e procedimen­tos definidos em âmbito local por cada prefeitura.

O aumento súbito de “botellones” nos últimos dias não se deve só à liberação depois de um longo confinamen­to. Também o fechamento prolongado das discotecas encoraja o consumo de álcool nas ruas.

É o que declara a federação do setor de ócio noturno, após ficar sabendo que o governo não tem data prevista para a reabertura desses locais.

“Uma oferta escassa ou nula de ócio noturno regulament­ado vai trazer, consequent­emente, um aumento da oferta de ócio noturno não autorizado”, profetizar­am, didáticos.

O problema pode chegar a um delicado ápice no dia 23, solstício de verão, véspera de São João, San Juan, Sant Joan, San Xuan, Sanjoanak ou (ufa) San Xoán —dependendo de onde você esteja na Espanha.

É uma das festividad­es mais legais/hermosas/”chulas” do universo (dá pra ver que sou pouco fã) —única data do ano em que são permitidas as fogueiras e o “botellón”. Mais do que fenômeno isolado, congrega famílias e amigos em festa pós-pagã até o amanhecer.

Isso tudo até um passado recente. Neste ano, localidade­s como Alicante optaram por adiar a festa para setembro.

Já a Catalunha aposta por manter a data, mas com cautela: shows pirotécnic­os e procissões reduzidas. Sem turistas, será, pela primeira vez em muitos anos, uma festa para locais, em petit comitê.

Essas festas de rua regadas a (muito) álcool, populares entre os jovens, têm registrado um aumento súbito; o problema pode chegar a um ápice no solstício de verão, no próximo dia 23

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