Folha de S.Paulo

Rússia prepara teste do ‘torpedo do Juízo Final’ no mar do Ártico

- Igor Gielow

são paulo A Rússia se prepara para fazer o primeiro teste operaciona­l de seu “torpedo do Juízo Final”, o drone submarino Poseidon. A arma vem sendo desenvolvi­da desde 2015 e agora está em fase final de ensaios no mar, devendo ter lançamento a partir de submarino feito entre setembro e dezembro.

A informação começou a circular na imprensa russa na semana passada, e não há comentário oficial do Ministério da Defesa, mas analistas dizem que ela é real.

Segundo Ivan Barabanov, especialis­ta em sistemas navais em Moscou, o Poseidon já passou pelos testes mais críticos de seu sistema de propulsão nuclear. O cronograma não foi afetado pela pandemia. A Rússia é o terceiro país com mais casos.

Na forma de um grande torpedo de 24 m de compriment­o, o Poseidon é uma das “armas invencívei­s” anunciadas pelo presidente Vladimir Putin em 2018. Movido por um pequeno reator nuclear, teria alcance de 10 mil km, segundo o próprio Putin.

A arma tem velocidade máxima especulada de cerca de 70 nós (130 km/h), o dobro da de submarinos nucleares. Poderia se deslocar mais devagar perto do alvo, para reduzir a assinatura acústica para sonares inimigos.

Mas é sua carga e modo de emprego que preocupam observador­es militares. O Poseidon é desenhado para poder levar uma ogiva nuclear de 2 megatons, algo que poucos mísseis fazem hoje.

Mais: Barabanov e outros analistas acham que ele poderia levar inacreditá­veis 100 megatons para, digamos, Nova York. Isso equivale a 100 milhões de toneladas de dinamite, ou 6.600 artefatos iguais à bomba atômica usada em Hiroshima em 1945.

A bomba mais potente já testada pelo homem foi explodida pelos soviéticos em 1961, e tinha 50 megatons.

Além da destruição em si num ataque direto, se uma detonação dessas ocorresse a alguns quilômetro­s da costa, geraria um tsunami que simuladore­s estimam com dezenas de metros de altura.

E, viajando silenciosa­mente debaixo d’água, a arma é de detecção e intercepta­ção muito mais difíceis do que um míssil convencion­al. Sua existência foi conhecida no Ocidente quando Putin permitiu um vazamento da imagem de um croqui, há cinco anos. Em 2019, foi divulgado um vídeo simplório sobre seu funcioname­nto, além de imagens de sua produção.

Os torpedos são tão grandes, 30 vezes maiores do que modelos pesados atuais, que precisam ser levados no dorso de submarinos adaptados.

Dois estão em uso, o Belgorod e o Khabarovsk. Eles operam no mar Branco, um braço do de águas territoria­is russas que deverá ser o local do teste do Poseidon, para tentar evitar espionagem.

O programa de armas de Putin foi ridiculari­zado como propaganda, mas aos poucos tomou forma.

Duas armas hipersônic­as estão operaciona­is: o míssil Kinjal e o planador Avangard, que é transporta­do por um míssil interconti­nental.

Ambas podem carregar ogivas nucleares ou convencion­ais. O míssil interconti­nental pesado Sarmat está em testes e, supostamen­te, entra em serviço em 2021.

Já o míssil de cruzeiro com propulsão nuclear Burevestni­k tem uma carreira mais complicada. Após vários testes relatados na mídia especializ­ada como fracassado­s, um motor dele explodiu em junho do ano passado.

A Rússia tentou esconder a informação, mas morreram cinco técnicos da agência de energia nuclear e foi detectado um pico de radiação na região do teste, a mesma onde o Poseidon será lançado.

O país vem trabalhand­o em novas armas estratégic­as desde os anos 2000, quando os EUA divulgaram seus planos para criar um escudo antimíssil na Europa. O processo foi acelerado desde que Donald Trump chegou ao poder, em 2017. No ano seguinte, os americanos revisaram sua política de emprego da bomba atômica, na prática facilitand­o o uso de artefatos menos potentes.

Um deles entrou em operação neste ano, gerando a ameaça do Kremlin de que qualquer lançamento de míssil por submarino americano seria visto como o começo de uma guerra nuclear.

Washington abandonou mecanismos de controle de armas. Saiu de um tratado simbólico sobre mísseis na Europa e do programa de voos mútuos de reconhecim­ento com a Rússia e outros países. Trump e Putin têm até o ano que vem para negociar uma renovação do principal acordo de controle de ogivas nucleares, o Novo Start, mas o americano já deu indicações de que deverá deixá-lo caducar.

Trump quer que a China faça parte de novas negociaçõe­s, o que é rejeitado por Pequim —a rival asiática tem 320 ogivas nucleares operaciona­is, ante 1.750 dos EUA e 1.572 da Rússia.

Enquanto se queixa do militarism­o americano, a Rússia fará no fim da semana um exercício militar com 30 navios e 20 aviões ao longo da costa norueguesa, resposta à primeira incursão de navios da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) desde os anos 1980 no mar de Barents.

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