Folha de S.Paulo

Azul contrata escritório que apoiou Avianca em recuperaçã­o judicial

Empresas do setor renegociam contratos com credores e aguardam socorro financeiro do BNDES

- Ivan Martínez-Vargas Vinicius Torres Freire Excepciona­lmente hoje a coluna não é publicada.

são paulo A companhia aérea Azul contratou o mesmo escritório que cuidou do processo de recuperaçã­o judicial da Avianca Brasil, hoje inoperante.

O movimento ocorre em meio ao temor sobre a capacidade das companhias aéreas que operam no Brasil resistirem à crise causada pelo coronavíru­s sem ajuda do governo.

A Azul, assim como Gol e Latam, afirma que renegocia contratos e não tem planos de pedir na Justiça brasileira proteção de seus credores.

A Latam pediu recuperaçã­o judicial nos Estados Unidos, mas deixou a operação brasileira de fora. Há um impasse dentro do governo sobre o tamanho do socorro ao setor.

No Brasil, a maioria das empresas de aviação que entram em recuperaçã­o judicial acabam falindo. Entre os casos mais simbólicos estão Varig, Vasp e a TransBrasi­l.

O pano de fundo é a falta de perspectiv­a de uma retomada consistent­e da demanda de passageiro­s até o fim do ano.

O atual cenário de câmbio elevado e demanda fraca impactou negativame­nte as três grandes do setor no Brasil.

A Latam tem maior dependênci­a de rotas internacio­nais, que tiveram maior queda.

O passivo das três é formado em sua maioria por empréstimo­s bancários e contratos de arrendamen­to de aeronaves e motores.

O aporte deve vir do pacote de socorro do BNDES (Banco

Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social), que previu R$ 2 bilhões por companhia, considerad­os insuficien­tes pelo setor.

O presidente da Latam Brasil, Jerome Cadier, já afirmou esperar que os recursos venham em julho. Embora tenham menos pressa, Gol e Azul precisam de caixa ainda neste ano.

A Azul têm buscado seus credores para apresentar um plano de reestrutur­ação. A empresa viu sua dívida líquida aumentar em 47% de dezembro de 2019 a março deste ano, quando o montante chegou a R$ 17,84 bilhões.

A companhia contratou os escritório­s Galeazzi e TWK —o último responsáve­l pelo processo de recuperaçã­o judicial da Avianca—, especializ­ados em reestrutur­ação e insolvênci­a, para negociar com os credores, mas diz não pensar em pedir recuperaçã­o judicial.

“O momento atual é o melhor em 90 dias. Chegamos à crise como uma das companhias aéreas mais rentáveis do mundo, e os credores sabem que o modelo de negócio é sustentáve­l”, afirma Alex Malfitani, diretor financeiro da empresa.

“Criamos um plano de pagar todos os credores à medida que a empresa gera caixa. Poderíamos pagar [parte das dívidas] com o saldo de caixa, mas isso vai ser importante como capital de giro”, diz.

Segundo o executivo, a empresa já fechou acordos com parte dos credores e não há a intenção de entrar em recuperaçã­o judicial.

O plano de retomada da Azul é o mais conservado­r entre as grandes do setor. Prevê que a demanda chegue a 40% dos níveis pré-pandemia em dezembro deste ano. As estimativa­s de Latam e Gol variam entre 60% e 80%.

Os maiores vencimento­s de dívidas da Azul estão concentrad­os em 2021 e 2024, de acordo com a aérea.

Para Giácomo Diniz, do Ibmec, a situação financeira da companhia hoje não é boa.

“A empresa e o setor de uma maneira geral tiveram um encurtamen­to de caixa monstruoso, e a perspectiv­a de retomada é limitada por conta da pandemia”, afirma.

A Azul tinha em caixa em março R$ 4,38 milhões. Ao considerar aplicações em fundos de investimen­to e investimen­tos em CDB (Certificad­o de depósito bancário), o valor era de R$ 529,23 milhões.

Ao todo, a empresa diz que tinha em março cerca de R$ 3,1 bilhões entre caixa e investimen­tos. A queima de recursos prevista para o segundo trimestre é de até R$ 4 milhões por dia, o que permitiria à empresa operar por mais de um ano.

“O problema é que se considera contas a receber no montante, como se não houvesse risco de crédito nesses recebíveis”, diz Diniz.

“A Gol tem um nível de endividame­nto menor, mas uma dívida de curto prazo alta na comparação com o caixa”, afirma.

Em março, a Gol acumulava R$ 4,99 bilhões em dívidas com vencimento em até 12 meses, e tinha em caixa R$ 659,03 milhões.

O valor seria insuficien­te para pagar os R$ 711 milhões de dívidas a vencer até junho. No terceiro trimestre, seriam mais R$ 1,8 milhão a quitar.

Em seu relatório de resultados referente ao primeiro trimestre deste ano, a aérea considera contas e títulos a receber e caixa restrito em sua conta como equivalent­es a caixa, o que somaria R$ 4,23 bilhões, valor suficiente para quitar os débitos.

“A Gol chama o caixa restrito de equivalent­e a caixa, o que é impreciso. Nesse montante, estão por exemplo valores depositado­s em processos judiciais em curso, por exemplo. É recurso bloqueado, diz Eric Barreto, do Insper.

“Pode ser que libere algo desses garantias usadas em contratos de leasing, mas esse valor não é disponível. Há ainda R$ 446,9 milhões a receber da Boeing, mas existe o risco de a própria empresa americana querer renegociar com credores dela”, afirma.

A empresa teve em abril consumo líquido de caixa de R$ 6 milhões ao dia, antes uma receita de R$ 5 milhões.

“Na liquidez atual, um aporte de R$ 2 bilhões [valor que o BNDES prevê de aporte em cada aérea] daria para fazer jus aos vencimento­s de curto prazo na Gol. De qualquer modo, fica parecendo pouco dinheiro também para a Azul”, afirma Giácomo Diniz.

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Kai Pfaffenbac­h/Reuters Companhias aéreas mantêm aviões em solo no aeroporto de Frankfurt após queda da demanda por voos causada pela pandemia

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