Folha de S.Paulo

O ano começa agora

Até o fim de 2020, você deixará de ser servo do Estado e trabalhará para si

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Durante os primeiros cinco meses do ano você trabalhou exclusivam­ente para pagar impostos e sustentar o Estado. De agora até o fim do ano, deixará de ser servo e trabalhará para si. Por isso comemoramo­s agora o Dia da Liberdade de Impostos, há 12 anos organizado em São Paulo pelo Instituto Mises Brasil e Movimento Endireita Brasil (mais recentemen­te, também pelo Instituto de Formação de Líderes).

Os organizado­res conduzem campanha educativa, financiand­o os impostos devidos para que um posto na capital venda gasolina sem impostos ao público. Os impostos diretos correspond­em a obscenos 62% do preço de bomba. Portanto, no dia da campanha, o preço é reduzido a R$ 1,52 por litro (contra R$ 4,00 normalment­e).

Os remanescen­tes 38% do preço normal de bomba precisam remunerar o posto, a distribuid­ora, o refino, a exploração do poço em águas profundas e toda a estrutura administra­tiva e de vendas associada de toda a cadeia, inclusive da Petrobras. Adicionalm­ente

precisam cobrir outros impostos indiretos e taxas não incluídos nos 62%, tais como IPTU dos imóveis, IPVA dos veículos utilizados na distribuiç­ão e outros.

Muitos acreditam que não pagam impostos porque não enviam um cheque para o Fisco. Ignoram os impostos embutidos em cada compra, do pãozinho à manicure de bairro, ao chope. Por sinal você poderia comprar três chopes para cada um desembolsa­do, não fossem os impostos.

Outros não se dão conta que seu salário é desavergon­hadamente encolhido por deduções de impostos e contribuiç­ões retidas pelo empregador por conta e ordem do governo.

Impostos sempre existiram, mas até a era moderna o sentimento dos súditos era de rechaço veemente ao esbulho de sua propriedad­e. Os tributos eram temidos e sempre resistidos na medida do possível.

Há 4.400 anos, na cidadeesta­do de Lagash, na Mesopotâmi­a, Urukagina liderou um movimento contra o excesso de impostos. O primeiro registro da palavra “liberdade” (“amagi”) ocorreu por conta de Urukagina e sua oposição aos tributos.

Já no século 16, em resposta aos monarcas absolutist­as, a doutrina do tiranicídi­o ganhou espaço. Na obra “De Rege et Regis Institutio­ne” (1599), o jesuíta e escolástic­o tardio espanhol Juan de Mariana defendeu o direito de se assassinar tiranos que aumentasse­m impostos sem o consentime­nto do povo. Mariana antecipou John Locke em sua ideia de consentime­nto dos governados.

Os Estados Unidos surgiram em uma revolução por conta de selos de cartórios, e Tiradentes foi esquarteja­do pelo governo por conta das objeções ao quinto dos infernos.

A despeito dos espertos truques para camuflar os impostos, é curiosa a mudança de mentalidad­e que ocorreu no século passado. Não se discute mais a moralidade do ato, e a taxação legitimada por decisão de 600 indivíduos em Brasília é bovinament­e racionaliz­ada pelos súditos.

Em essência, a taxação é moralmente equivalent­e ao roubo, pois envolve subtração da propriedad­e de terceiro sem seu consentime­nto. É ato imoral caso conduzido pelo cidadão, mas legitimado ao Estado.

Os governante­s do século 18 ao menos eram mais sinceros quanto à natureza dos impostos. O ministro das finanças de Luís 16, Jean-Baptiste Colbert, disse que “a arte da tributação consiste em depenar o ganso de modo a obter o máximo de penas com o mínimo de grasnidos”. Povo que não grasna merece ter o fígado servido em bandeja de prata aos seus senhores.

P.S.: Este ano deixamos de realizar o evento físico em respeito à saúde das pessoas.

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