Folha de S.Paulo

Rival que fez sinal da cruz em 1970 deixou ‘legado’ no Brasil

Ladislav Petras, hoje com 73 anos, surpreende­u ao marcar pela Tchecoslov­áquia

- Alex Sabino e Bruno Rodrigues

são paulo A imagem de Ladislav Petras ajoelhado no gramado do estádio Jalisco fazendo o sinal da cruz após marcar contra o Brasil está entre as mais emblemátic­as da Copa do Mundo de 1970.

A Folha também não escondeu sua surpresa com o gesto, já que a então Tchecoslov­áquia era governada por um regime comunista, avesso à crença religiosa.

Na capa da edição de 4 de junho, dia seguinte à vitória dos comandados de Zagallo, de virada, por 4 a 1, uma foto de Petras celebrando o gol foi publicada com a seguinte legenda: “Um gesto inesperado: o tcheco Petras de mãos postas após fazer o sinal da cruz; ele acabava de marcar”.

Hoje com 73 anos, e cinco décadas depois de impression­ar o país, o ex-atacante diz ter consciênci­a de que seu gol, aos 11 minutos de jogo, surpreende­u não só a seleção brasileira, mas marcou toda uma geração que assistia pela primeira vez a uma Copa do Mundo ao vivo.

“Muitos jogadores repetiram esse gesto depois de mim. E eu sei que isso chegou ao Brasil porque eu recebi uma carta, enquanto ainda estava no México, de um pai cujo filho nasceu durante a Copa e que colocou o meu nome na criança. Agora deve haver algum Gustavo ou Mario ou José Ladislav Petras com 50 anos andando pelo mundo”, diz o ex-atleta em entrevista à Folha.

Tratado como tcheco na época, ele é eslovaco e sempre frequentou a Igreja Católica. Conta que mesmo após o gesto, não teve problemas em seu país. A lembrança do ex-atacante sobre a carta tem fundamento. De acordo com o Censo Demográfic­o de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), há pelo menos 24 brasileiro­s com o nome Petras no Brasil, todos registrado­s no estado de São Paulo e nascidos na década de 1970.

“Talvez todos os especialis­tas e historiado­res de futebol concordem que o time do Brasil de 1970 foi o melhor da história desse esporte. Eu tive a honra de marcar contra aquela seleção, de fazer um gol no Félix, e é algo que estará ligado a mim para o resto da minha vida. Ainda me sinto feliz com isso agora, 50 anos depois”, diz.

No WhatsApp, por exemplo, a foto de seu perfil é a de uma página de revista esportiva que o mostra chutando na saída de Félix e comemorand­o a abertura do placar.

No dia 3 de junho de 1970, Petras combinou ainda antes da partida que trocaria camisa com o capitão brasileiro, Carlos Alberto, mas já não tem mais a peça. “Emprestei depois a um técnico de um time juvenil, que usaria para motivar seus atletas, mas ele ‘esqueceu’ de me devolver”, conta. Seu colega Ladislav Kuna conseguiu a 10 de Pelé.

O ex-atacante diz que a Tchecoslov­áquia não preparou nenhum tipo de estratégia para marcar Pelé.

“Por favor, preparação especial? Como você queria que nos defendêsse­mos de um gênio? Além de Pelé, havia outros jogadores excepciona­is na equipe brasileira. Apesar da derrota por 4 a 1, não tínhamos nada com que nos envergonha­rmos. Seria impossível manter a vantagem com três quartos de jogo contra eles.”

Após a derrota para o Brasil, que virou o jogo com gols de Rivellino, Pelé e dois de Jairzinho, a Tchecoslov­áquia também perdeu para a Romênia, por 2 a 1, e para a Inglaterra, por 1 a 0. O gol contra os romenos foi anotado por Petras, que novamente abriu o placar, aos 5 minutos, mas assistiu à sua equipe levar a virada.

Com seis gols em 19 jogos pela seleção, o atacante compôs o elenco que se sagrou campeão da Eurocopa de 1976, mas seu auge já havia passado.

Na conquista europeia, coube a Antonin Panenka o protagonis­mo, cuja cavadinha na decisão por pênaltis contra a Alemanha, na final, deu o título ao seu time e eternizou um estilo de bater na bola. Na Europa, a cavadinha é chamada de “pênalti à Panenka”.

Em meio ao estrelato após os gols na Copa do Mundo de 1970, principalm­ente o anotado contra o Brasil, Ladislav Petras confessa que sonhou com a possibilid­ade de jogar por um grande clube europeu. Ao longo de sua carreira, atuou por Baník Prievidza, Dukla Banská Bystrica e Inter Bratislava, todos da Tchecoslov­áquia, e terminou a carreira no Wiener AC, da Áustria.

“Nós todos queríamos jogar em clubes melhores. Mas naquela época, isso não era possível, o Estado não permitia. A única alternativ­a era a imigração, e para isso você precisava ser ou muito forte internamen­te ou sem coração”, diz.

“A imigração significav­a que você talvez nunca mais visse seus parentes, seus irmãos e seus amigos outra vez. E eu não podia fazer isso. Não podia imaginar nunca mais acariciar minha mãe ou nunca mais encontrar o meu pai.”

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Acervo CBF Jairzinho em lance da partida contra a Tchecoslov­áquia
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Nascido na Eslováquia, Petras disputou a Olimpíada de 1968, a Copa de 1970 e a Eurocopa de 1976 (campeão)
Ladislav Petras, 73 Nascido na Eslováquia, Petras disputou a Olimpíada de 1968, a Copa de 1970 e a Eurocopa de 1976 (campeão)

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