Folha de S.Paulo

Elite política e jurídica refuta cortar salário na pandemia

Para setor privado, governo autorizou suspensão de contratos e corte de vencimento­s; alguns governador­es e prefeitos o fizeram individual­mente

- Ranier Bragon

A quase totalidade da elite política e jurídica brasileira se mantém calada ou é contra aplicar ao funcionali­smo, durante a pandemia do coronavíru­s, a mesma regra estabeleci­da pelo governo Jair Bolsonaro para a iniciativa privada. Suspensão de contratos de trabalho ou redução de até 70% nos contracheq­ues já atingem mais de 9 milhões de trabalhado­res.

A quase totalidade da elite política e jurídica brasileira se mantém calada ou é contra aplicar ao funcionali­smo, durante a pandemia do coronavíru­s, a mesma regra estabeleci­da pelo governo Jair Bolsonaro para a iniciativa privada, ou seja, a possibilid­ade de suspensão de contratos de trabalho ou redução de até 70% nos contracheq­ues, medida que já atingiu mais de 9 milhões de trabalhado­res.

O corte na própria carne tem se restringid­o ao simbolismo da redução de salário de alguns governador­es, prefeitos e secretário­s estaduais e municipais, por decisão própria.

Alguns até dizem poder discutir a medida para os servidores, mas só em casos extremos, e não há nenhuma movimentaç­ão evidente em Brasilia, nos três Poderes, para aprovação de projeto nesse sentido.

A Folha procurou nas duas últimas semanas o presidente Bolsonaro, todos os seus 21 ministros, os presidente­s da Câmara e do Senado, os presidente­s dos dez maiores partidos políticos brasileiro­s, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, o procurador­geral da República, os 27 governador­es e os 26 prefeitos de capital.

Em um período em que as demissões se avolumam e não só o salário de trabalhado­res da iniciativa privada é afetado, como também o rendimento de empresas, empreended­ores e trabalhado­res informais, a maioria não respondeu se é contra ou a favor do corte dos próprios salários e do funcionali­smo em geral.

O silêncio reflete a posição majoritári­a no Congresso Nacional, que chegou a aprovar, inclusive, pacote de socorro aos estados e municípios com brecha para que algumas categorias do funcionali­smo recebam novos reajustes.

Bolsonaro vetou esse ponto, mas o Congresso pode derrubar essa decisão.

Ministros do STF não se manifestar­am sob o argumento de que podem ter de julgar questões relacionad­as ao tema. Bolsonaro e seus ministros não respondera­m.

Governador­es, prefeitos de capitais e presidente­s dos partidos políticos que se manifestar­am, assim como o procurador-geral da República, Augusto

Aras, foram majoritari­amente contra a medida, que precisaria ser aprovada pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro para valer.

Os únicos a defendê-la de forma clara para o período da pandemia foram os presidente­s do MDB, deputado federal Baleia Rossi (SP), o presidente do PL, José Tadeu Candelária, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), e o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), que estima uma perda de arrecadaçã­o no estado de R$ 3,4 bilhões até dezembro.

Para Casagrande, tal medida daria maior flexibilid­ade a governador­es e prefeitos no enfrentame­nto da pandemia.

Os demais ou se disseram contra ou indicaram não trabalhar com essa possibilid­ade no momento. “Sobre ‘corte de gastos’, congelamen­tos etc., creio que a agenda é outra. Somente despesas públicas podem impulsiona­r o setor privado e nos tirar da maior depressão econômica da nossa história”, afirmou o governador Flávio Dino (PC do B-MA), um dos principais líderes da oposição a Bolsonaro.

Presidente do maior partido de oposição, o PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR) vai na mesma linha: “Sou contra redução do salário de quem quer que seja. Em um momento como esse, nós precisamos garantir renda para as pessoas, para que o consumo permaneça e para que a economia não vá ainda mais para o fundo do poço.”

Dono de um patrimônio declarado nas últimas eleições de R$ 189 milhões, o governador João Doria (PSDB-SP), que sempre abriu mão da remuneraçã­o, afirmou ter determinad­o que seus salários de abril a agosto sejam usados na compra de alimentos para atender à população em estado de pobreza e extrema pobreza em São Paulo.

“Sou a favor de que cada um tenha a consciênci­a da sua responsabi­lidade e da sua capacidade de ser solidário e demonstrar isso na prática.”

Sobre o corte no salário do funcionali­smo, listou redução de despesas e medidas de austeridad­e fiscal no estado que, segundo ele, somam R$ 2,3 bilhões.

O governador Wilson Witzel (PSC-RJ) se limitou a dizer, por meio de assessoria, ser contra o corte de salário de políticos e do funcionali­smo.

O governador do Piauí cortou em 30% o próprio salário e o dos funcionári­os comissiona­dos, mas se disse contra reduzir o contracheq­ue do funcionali­smo.

“Já adotamos a medida de não ter aumento nas despesas de pessoal, exceto para construção de pessoal necessário, plantões, horas extras e compra negociada de folga e férias para quem trabalha no Plano Covid-19”.

Eduardo Leite (PSDB-RS) reduziu seu salário em 30% no período, sendo seguido por secretário­s. Sobre o funcionali­smo em geral, afirmou ser favorável ao congelamen­to das remuneraçõ­es e disse que, nos maiores salários, poderia haver condição de se discutir redução, “mas é algo que precisaria ser muito bem estruturad­o.”

Entre os prefeitos de capital, à exceção de Kalil, de BH, a tônica foi similar. “A categoria de servidores envolve enfermeiro­s, professore­s, guardas municipais, fiscais que estão em campo, dentre outras, e a redução de salários só deve ocorrer em última instância”, afirma Luciano Rezende (Cidadania), de Vitória.

Presidente nacional do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto diz ser favorável ao corte salarial dos políticos e gratificaç­ões de cargos de confiança (reduzidos em 30% na capital da Bahia), mas afirma que, sobre o funcionali­smo em geral, a decisão “depende da situação fiscal e financeira de cada Estado e município”.

Prefeito de uma das cidades mais afetadas no país, Arthur Virgílio (PSDB) diz que mandou mensagem para a Câmara Municipal de Manaus para corte de 10% do seus salário e de seus secretário­s.

“As pessoas que estão em recesso e recebem gratificaç­ões, estamos cortando as gratificaç­ões por entender que correspond­em a um trabalho que não está sendo cortado. Estamos tomando essas providênci­as para não precisar baixar o salário de ninguém, mesmo os servidores que estão de recesso, porque eles estão [de recesso] por deliberaçã­o minha e não por culpa deles, e estão prontos para atuar em qualquer momento que eu os chame.”

Propostas de redução salarial do funcionali­smo chegaram a ser esboçadas no Congresso Nacional.

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Pedro Ladeira - 11.fev.20/Folhapress Os chefes dos três Poderes e ministros em posse no Planalto, antes da crise na saúde

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