Folha de S.Paulo

Médicos e professore­s

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

No esplêndido livro “A Grande Gripe”, o historiado­r americano John M. Barry relata como a formação de futuros médicos demorou muito, nos Estados Unidos, a, de fato, preparálos para a profissão. No século 19, boa parte dos cursos de medicina do país não demandava dos ingressant­es conhecimen­tos científico­s e não contava com laboratóri­os —e o que dizer de hospitais universitá­rios? Mesmo em Harvard, os cursos eram ministrado­s na forma de palestras, e um certo preconceit­o com a prática era bem disseminad­o no país.

E, bem no final do século, inspirados por avanços científico­s na Europa, as coisas começaram a mudar no país, com muitos médicos —profissão sem grande prestígio à época— indo estudar na Europa e aí vivenciar uma formação bem diferente. O necessário diálogo entre teoria e prática em laboratóri­os equipados, no acompanham­ento de tratamento­s dados a pacientes reais, teria trazido uma nova perspectiv­a a esses profission­ais. Afinal, o médico não deveria ser pouco mais que um barbeiro, como fora considerad­o outrora, ou só um intelectua­l da medicina.

Esse desafio em valorizar a profissão foi associado a uma mudança de perspectiv­a que surgiu quando se constatou algo que hoje parece claro: doenças podem ser tratadas desde que, em pesquisas controlada­s, se constate uma evolução positiva que supere eventuais efeitos colaterais da aplicação de um tratamento. Ao mesmo tempo, teve que enfrentar uma batalha com a crença prevalente na época sobre como universida­des deveriam formar médicos —a partir de um sólido e exclusivo contato com a teoria.

Essa nova abordagem adotada no final do século 19 em medicina, inclusive tornando o acesso à profissão mais seletivo, é também necessária em educação no Brasil. A profissão de professor é extremamen­te complexa, como perceberam muitos pais ao apoiarem a aprendizag­em de seus filhos em casa, e demanda formação em que haja um componente prático sólido, de preferênci­a desde os primeiros anos do curso.

Isso já foi realidade no Brasil, no antigo magistério de nível médio. Ao passarmos, no entanto, essa tarefa de preparar futuros mestres às universida­des ou a faculdades isoladas de educação, perdemos essa dimensão de preparo para a profissão, especialme­nte nas licenciatu­ras. Felizmente, o Conselho Nacional de Educação aprovou recentemen­te parecer que estabelece a nova Base Nacional Docente, que inclui um enfoque mais profission­alizante.

Muito tempo poderia se passar até que essa medida entrasse em efeito, mas a Covid-19 parece funcionar como uma acelerador­a de futuros, para o bem ou para o mal. A história nos dirá se deu certo.

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