Folha de S.Paulo

Na onda de manifestos, 13 são de militares defendendo presidente

- Fábio Zanini

Na onda de manifestos divulgados nos últimos dias pela sociedade civil, os militares também estão produzindo os seus. Nos últimos 15 dias, ao menos 13 surgiram, de representa­ntes das três Forças.

São sempre assinados por oficiais da reserva, que têm muito mais liberdade de se manifestar politicame­nte do que o pessoal da ativa.

Em comum, defendem Jair Bolsonaro da interferên­cia do Supremo Tribunal Federal em atos de seu governo e apoiam o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal), que previu “consequênc­ias imprevisív­eis” caso o celular do presidente fosse apreendido no inquérito sobre interferên­cia na PF.

Uma das notas mais enfáticas, não por coincidênc­ia, é da turma de 1977 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), que é a da próprio Bolsonaro.

“Temos acompanhad­o sucessivas agressões à Constituiç­ão Federal perpetrada­s por decisões monocrátic­as impostas por ministros do Supremo Tribunal Federal, que causam ao país inseguranç­a e instabilid­ade jurídica que podem resultar em grave crise institucio­nal”, dizem os formandos da turma, que tem Tiradentes como patrono.

Houve manifestaç­ões semelhante­s de outras sete turmas da Aman, incluindo a do próprio Heleno, de 1969. A mais antiga a se pronunciar foi a de 1962, com seus integrante­s já octogenári­os.

Na Marinha e na Aeronáutic­a, o tom é parecido.

“Não nos quedaremos inertes a assistir impassívei­s o artigo segundo da Constituiç­ão Federal, que impõe aos Poderes da União a serem independen­tes e harmônicos entre si, ser diuturname­nte rasgado”, declarou a turma Tubarão da Academia da Força Aérea, de 1982, em nota assinada por 53 integrante­s.

Ainda na Aeronáutic­a, uma manifestaç­ão conjunta da turma 1978 da Escola Preparatór­ia de Cadetes do Ar e da turma 1981 da Academia da Força Aérea, reunindo 81 pessoas, fez uma defesa enfática de Heleno, que foi criticado em razão de sua manifestaç­ão sobre o celular.

“Esses acusadores [do general Augusto Heleno] são os que conspiram contra a democracia no Brasil, ao fomentarem as ideias de enfraqueci­mento e de deposição do chefe do Poder Executivo legitimame­nte eleito pela maioria dos brasileiro­s”, diz.

Na Marinha, o Clube Naval, em nota assinada por seu presidente, almirante de esquadra Eduardo Monteiro Lopes, defendeu o enquadrame­nto do ministro Celso de Mello, responsáve­l pela divulgação das imagens da reunião ministeria­l de 22 de abril, na Lei de Abuso de Autoridade, ecoando o que sugeriu o próprio Bolsonaro.

O apoio ao presidente entre militares da reserva não chega a ser surpreende­nte, mas o volume de notas e manifestos em tão curto intervalo chama a atenção.

“As notas apoiam a posição de Bolsonaro e afastam rumores de que a Marinha e o Exército não estivessem alinhadas com o presidente. Em suma, a caserna está unida com Bolsonaro”, afirma o professor de ciência política Jorge Zaverucha, da Universida­de Federal de Pernambuco (UFPE), estudioso de temas militares.

Segundo ele, essa sustentaçã­o vai depender do comportame­nto do presidente para perdurar.

“Política é dinâmica. Até o momento em que as notas foram redigidas, o apoio não é apenas pontual. Se esse apoio continuará ou não, irá depender das ações futuras de Bolsonaro”, diz Zaverucha.

Essas manifestaç­ões, além de dar fôlego político ao presidente, também aumentam a preocupaçã­o de que Bolsonaro possa estimular as Forças Armadas a intervir no jogo político, caso se sinta acuado pelo STF.

O presidente e o próprio Heleno têm descartado qualquer intenção golpista. Mas notas em tom duro de militares que gozam de respeito entre o pessoal da ativa não ajudam muito a diminuir esse temor.

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