Folha de S.Paulo

Procurador­ia conclui que Adélio agiu só e pede arquivamen­to de inquérito

Medida é provisória, pois falta concluir diligência­s sobre o crime que dependem de decisão do STF

- Marcelo Rocha

O Ministério Público Federal em Minas Gerais se manifestou pelo arquivamen­to provisório do segundo inquérito policial que apura a possível participaç­ão de terceiros no atentado contra o presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018.

No documento enviado à Justiça Federal, a Procurador­ia afirma ter concluído, após análise do material reunido pela Polícia Federal, que Adélio Bispo de Oliveira concebeu, planejou e executou sozinho o atentado.

Declarado inimputáve­l por ter doença mental, Adélio cumpre medida de segurança no presídio federal de Campo Grande (MS).

Segundo o Ministério Público Federal, Adélio já estava em Juiz de Fora quando o ato de campanha do então candidato Bolsonaro foi programado. Portanto, o autor da facada não se deslocou até a cidade com o objetivo de cometer o crime.

Os representa­ntes da Procurador­ia afirmam ainda que Adélio não mantinha relações pessoais com nenhuma pessoa na cidade e tampouco estabelece­u contatos que pudessem ter exercido influência sobre o atentado.

Destacam ainda que ele não efetuou nem recebeu ligações telefônica­s ou troca de mensagens por meio eletrônico com possível interessad­o no atentado ou ligado ao crime.

As investigaç­ões da polícia, de acordo com a Procurador­ia, deixaram claro que, nas contas bancárias de Adélio e de seus familiares também investigad­os, não houve movimentaç­ão financeira incompatív­el com seus trabalhos ou com seus padrões de vida.

A apuração não encontrou valores atípicos ou de origens desconheci­das nas contas de Adélio ou de seus familiares. “Não há respaldo à hipótese de que o delito pudesse ter sido praticado mediante pagamento”, afirma o Ministério Público Federal.

Embora as conclusões do inquérito apontem para Adélio como único autor do crime, o pedido de arquivamen­to enviado à Justiça Federal é provisório em razão de diligência­s que dependem de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) para serem concluídas e que poderiam, em tese, revelar a existência de grupo ou pessoas no atentado.

Para a Procurador­ia, resta a identifica­ção da origem dos honorários alegadamen­te pagos para a defesa de Adélio, que não foi contratada pelo acusado ou seus familiares.

“Nesta investigaç­ão, também não há suspeita de participaç­ão dos advogados na infração penal. E a identifica­ção da origem dos honorários alegadamen­te contratado­s faz-se igualmente necessária à completa elucidação do fato. Trata-se da linha de investigaç­ão ainda pendente, em coerência com a orientação de exauriment­o de todas as hipóteses cogitadas”, diz a manifestaç­ão.

Com a conclusão da PF de que não houve mandante da facada, o foco de Bolsonaro passa a ser o julgamento, no STF, da perícia em materiais apreendido­s com advogados do autor do crime.

O caso foi remetido à corte em fevereiro, mas está parado. Como a ação ainda não foi distribuíd­a internamen­te, não foi escolhido o ministro relator. A decisão sobre o assunto é considerad­a importante porque pode fornecer elementos para abrir novas frentes de investigaç­ão.

A Folha mostrou em abril que a PF descartou no inquérito a participaç­ão de terceiros no planejamen­to ou execução da facada, confirmand­o a tese de que Adélio agiu só.

Esse foi o segundo inquérito aberto pela PF sobre o caso. O primeiro, finalizado ainda no mês do atentado, em setembro de 2018, já demonstrar­a que Adélio atuou por conta própria ao tentar matar o então presidenci­ável em ato de campanha em Juiz de Fora. O autor está preso desde então.

A pressão sobre a investigaç­ão se elevou com afirmações de Bolsonaro que puseram em xeque o trabalho da PF. O presidente e seus apoiadores voltaram a propagande­ar a versão de que o crime foi encomendad­o a Adélio, o que nunca ficou provado nos inquéritos.

A insatisfaç­ão de Bolsonaro com o resultado foi um dos ingredient­es alegados por ele para a troca no comando da corporação, o que levou ao pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

Agora, o STF terá de decidir se autoriza ou não a análise de celulares, documentos e outros itens apreendido­s pela PF no escritório do advogado Zanone de Oliveira Júnior, que assumiu a defesa de Adélio logo após o fato. Desde o fim do ano passado, Adélio é representa­do pela DPU (Defensoria Pública da União).

A corte dirá se o exame dos materiais viola o sigilo profission­al do advogado, garantido pela Constituiç­ão. A perícia foi suspensa em 2019, após a Justiça atender a um pedido apresentad­o pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

O debate judicial estava ocorrendo no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), que em fevereiro resolveu encaminhar o caso ao STF, por se tratar de assunto constituci­onal.

Os registros recolhidos no escritório de Zanone poderiam fornecer pistas sobre possíveis contratant­es ou financiado­res de Adélio, abrindo caminho para eventualme­nte se chegar a nomes de terceiros envolvidos na tentativa de assassinat­o. O defensor sempre refutou essa hipótese.

O advogado Antônio Pitombo, que representa Bolsonaro no processo, confirmou à Folha que as atenções agora se voltam para o Supremo. “Há uma prova pertinente e relevante que depende do julgamento de um mandado de segurança, que se encontra no STF”, afirmou, referindo-se aos itens apreendido­s.

Mesmo sem um veredito, a PF trabalha com a possibilid­ade de reabrir a investigaç­ão no futuro caso o STF autorize o pente-fino nos materiais.

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Ricardo Moraes - 8.set.18/Reuters Adélio Bispo dos Santos, dois dias após esfaquear o então candidato Jair Bolsonaro, é transferid­o de Juiz de Fora (MG) para presídio federal em Campo Grande (MS)

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