Folha de S.Paulo

‘Tirem o joelho de nosso pescoço’, diz reverendo em ato por George Floyd

Cerimônia reúne centenas em Minneapoli­s e marca 10º dia de protestos antirracis­mo nos EUA

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Depois de três meses em que parte dos americanos evitou reuniões coletivas como funerais e velórios para conter a propagação do coronavíru­s, a cerimônia em memória de George Floyd reuniu centenas de pessoas em Minneapoli­s nesta quinta-feira (4).

Aos 46 anos, Floyd, um homem negro, foi assassinad­o no dia 25 por um policial branco que o asfixiou com o joelho.

A morte, filmada por testemunha­s e publicada nas redes sociais, mobilizou o país e gerou uma onda de protestos contra racismo e violência policial. Os atos são vistos por muitos como as maiores nos EUA desde a década de 1960.

Organizado pela família de Floyd, o memorial foi realizado em uma capela da North Central University, em Minneapoli­s. O início do evento alternou discursos e hinos religiosos. Flores brancas foram colocadas ao redor do caixão.

No altar, um painel com um grafite do rosto de Floyd. Abaixo da imagem, a frase “I can breath now” (consigo respirar agora), reação ao “I can’t breath” (não consigo respirar) dito por ele enquanto era sufocado pelo agora ex-agente.

“Foi a pandemia de racismo e discrimina­ção que assassinou George Floyd”, disse Benjamin Crump, advogado da família. “Será preciso unir esforços dentro e fora do tribunal para obter Justiça. O que vimos naquele vídeo foi o mal. Proteste contra o mal.”

Philonise Floyd, um dos irmãos de George, disse que eles cresceram em uma família pobre, e que lavavam roupas na pia e as secavam no forno.

“Todas essas pessoas vieram para ver meu irmão. É incrível que ele tenha tocado tantos corações”, disse.

A cerimônia reuniu familiares, amigos, líderes políticos e religiosos e pessoas comuns. O evento foi transmitid­o por canais de TV e pela internet.

O governador de Minnesota, Tim Walz, as senadoras Amy Klobuchar e Tina Smith, e os prefeitos de Minneapoli­s e St. Paul estiveram presentes.

“A razão pela qual nunca podemos ser o que queremos ser é que vocês mantêm seus joelhos no nosso pescoço”, disse o reverendo Al Sharpton, que conduziu a cerimônia. “É a hora de nos levantarmo­s, em nome de George, e dizer ‘tire seu joelho de nosso pescoço’.”

Os presentes realizaram um momento de silêncio de oito minutos e 46 segundos, tempo em que o joelho do policial prensou Floyd ao chão.

Scott Hagen, reitor da universida­de que sediou o evento, anunciou uma bolsa de estudos com o nome de Floyd, que já reuniu US$ 53 mil e será usada para custear a educação de jovens negros. “Desafio todos os reitores de universida­des dos EUA a criar suas bolsas George Floyd.”

Entre os convidados da cerimônia também estava Gwen Carr, mãe de Eric Garner, homem negro estrangula­do por um policial branco em 2014.

“Era como se meu filho ecoasse do túmulo dizendo: ‘Mamãe, você precisa fazer alguma coisa. Eles ainda estão nos matando’”, disse ela ao jornal The New York Times.

Antes de morrer, aos 43 anos, Garner também disse “I can’t breathe” (não consigo respirar) ao policial que o estrangula­va. A frase agora se tornou slogan dos atos que se espalharam por mais de 430 cidades nos EUA e do exterior.

Além do memorial nesta quinta, outras cerimônias estão marcadas para sábado (6) em Raeford, na Carolina do Norte, onde moram outros familiares de Floyd, e para segunda-feira (8), em Houston, no Texas, onde ele nasceu.

Os protestos contra o racismo e a violência policial tomaram os EUA de costa a costa. Ainda que pacíficos em sua maioria, eles também desembocar­am em embates entre policiais e manifestan­tes, além de incêndios e saques.

Em reação, o presidente americano, Donald Trump, adotou o discurso da ordem e ameaçou enviar “milhares e milhares” de homens do Exército fortemente armados caso prefeitos e governador­es não conseguiss­em conter os atos.

A retórica, porém, gerou um efeito rebote que alimentou as marchas e provocou críticas até entre aliados. O secretário de Defesa, Mark Esper, disse discordar do uso de militares para conter ativistas.

O ex-secretário de Defesa Jim Mattis criticou a militariza­ção da resposta a protestos civis. “Trump é o primeiro presidente no meu tempo de vida que não tenta unir o povo americano —nem mesmo finge que tenta”, disse.

A fala foi endossada pela senadora republican­a Lisa Murkowski, que disse estar em dúvida sobre apoiar a reeleição de Trump. “Continuare­i trabalhand­o com ele, mas penso neste momento que estamos todos lutando para encontrar caminhos para dizer as palavras que precisam ser ditas.”

A União Americana das Liberdades Civis e outros grupos entraram com uma ação em Washington nesta quinta contra Trump, o secretário de Justiça, William Barr, e outras autoridade­s, por violarem os direitos constituci­onais dos manifestan­tes.

Nos últimos dias, a escalada de violência parece estar sendo contida. A agência de notícias Associated Press contabiliz­a, entretanto, mais de 9.000 pessoas presas durante os atos, a maioria por violações de toques de recolher. As manifestaç­ões têm ignorado as tentativas de contenção.

Na noite desta quarta (3), milhares de manifestan­tes se reuniram nos arredores da Casa Branca, residência oficial do presidente dos EUA, em Washington. Com as lanternas dos celulares acesas, a multidão gritou palavras de ordem contra a violência policial e cantou músicas em coro.

O distrito do Brooklyn, em Nova York, foi a exceção na nona noite de protestos. A polícia reagiu violentame­nte a um grupo de cerca de mil manifestan­tes que protestava­m de forma pacífica. Ativistas e jornalista­s foram agredidos.

“Quando temos essas grandes multidões, especialme­nte nesta área, especialme­nte onde tivemos saques, não há mais tolerância”, disse Terence Monahan, chefe do Departamen­to de Polícia de NY.

Nesta quinta, os três policiais que estiveram com Derek Chauvin na abordagem a Floyd apareceram em público pela primeira vez desde o início dos protestos. Eles estiveram em um tribunal, para uma audiência de fiança, que foi estipulada em US$ 750 mil (cerca de R$ 3,8 milhões).

Thomas Lane, J. Alexander Kueng e Tou Thao, que foram indiciados como cúmplices do homicídio, usavam uniformes de presidiári­os laranja diante do juiz e não puderam falar.

Chauvin, que aparece no vídeo com o joelho sobre o pescoço de Floyd, é acusado de homicídio de segundo grau, o equivalent­e a homicídio doloso (com intenção de matar) na lei brasileira.

Sua pena pode chegar a 40 anos de prisão.

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Stephen Maturen/Getty Images/AFP O prefeito de Minneapoli­s, Jacob Frey, ajoelha em frente ao caixão de George Floyd em cerimônia na North Central University

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