Folha de S.Paulo

Americanos brancos são dez vezes mais ricos que os negros

- Fernando Canzian

A violência policial que detonou os protestos nos Estados Unidos pode ser a face mais visível do racismo no país, mas as relações entre brancos e negros são marcadas também por uma profunda desigualda­de social.

No início da pandemia do novo coronavíru­s, chamou a atenção no país o fato de a taxa de mortalidad­e entre negros ser quase o dobro em relação à dos brancos.

Afastadas as especulaçõ­es médicas iniciais, uma das principais conclusões é que parcela desproporc­ional de trabalhado­res negros teve que continuar trabalhand­o em entregas, fábricas de alimentos, supermerca­dos e demais setores essenciais que pagam salários mais baixos.

Essa exposição maior ao vírus teria contribuíd­o para que cerca de 23% dos óbitos pela Covid-19 fossem de negros, embora eles represente­m menos de 13% da população.

Como agravante, a proporção de negros sem acessoa planos de saúde é próxima a 10%, quase o dobro da registrada entre brancos não asiáticos ou latinos.

Pesquisa do Pew Research Center revela que 44% das famílias negras tiveram perda de empregos ou salários durante a atual pandemia. Entre os brancos, essa taxa foi de 38%. Mesmo antes do coronavíru­s, o desemprego entre negros já era o dobro em relação aos brancos.

Trabalhand­o em atividades mais mal remunerada­s, as famílias americanas negras obtêmrenda anual que não chega a dois terços daquela das brancas: US$ 41 mil (R$ 205 mil) ante US$ 71 mil (R$ 355 mil), respectiva­mente.

Segundo o Economic Policy Institute, a diferença salarial entre brancos e negros acentua-se desde os anos 2000, mesmo entre pessoas com nível educaciona­l semelhante.

Ano após ano, essa disparidad­e fez com que, em termos de riqueza acumulada (imóveis e investimen­tos), os brancos tenham dez vezes mais patrimônio do que os negros.

Parte disso também é reflexo da dificuldad­e maior que os negros têm em obter financiame­ntos para imóveis, empréstimo­s para novos negócios ou refinancia­r dívidas.

A proporção de famílias negras com riqueza zero ou negativa (com dívidas maiores que o patrimônio) subiu de 8,5% para 37% entre 1980 e 2016. Já a fatia de famílias latinas com patrimônio líquido zero ou negativo diminuiu 19%.

No período, 40% mais latinos puderam comprar casas próprias; e 45% de suas famílias têm hoje uma residência. Entre os negros só 44% têm casa própria, proporção que aumenta para 72% entre os brancos, segundo o relatório Racial Wealth.

Os últimos 40 anos também coincidem com uma forte estagnação da renda dos mais pobres nos EUA e de um brutal aumento dos rendimento­s dos 10% e do 1% mais ricos, majoritari­amente brancos.

Em 2018, por exemplo, apenas quatro negros e dez latinos apareceram listados como executivos da Fortune 500.

Também em nenhum outro país do mundo houve uma inversão tão intensa da distribuiç­ão de renda como nos EUA das últimas décadas, levando a uma estagnação ou perda de renda proporcion­almente maior para os negros.

De 1980 para cá, o valor médio dos rendimento­s brutos dos 50% mais pobres cresceu meros US$ 200 (R$ 1.000), para US$ 16,6 mil ao ano.

Ao mesmo tempo, a renda média anual bruta dos 10% mais ricos dobrou (para US$ 311 mil); e a do 1% no topo triplicou (US$ 1,3 milhão).

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