Folha de S.Paulo

Hong Kong tem novo desafio a China em ato para lembrar massacre

Vigília pelos 31 anos do Massacre da Praça da Paz Celestial havia sido vetada; Pequim aprova lei que pune insulto a hino

- Igor Gielow

Em desafio ao governo de Pequim, milhares de manifestan­tes foram às ruas de Hong Kong para fazer uma vigília proibida em memória dos mortos no Massacre da Praça da Paz Celestial. Houve confronto com a polícia.

Em 4 de junho de 1989, a ditadura comunista matou centenas de estudantes que pediam mais democracia no ponto central da capital chinesa, o mais notório ato de repressão do regime que se abria para o mundo por meio da economia.

Desde então, a data é lembrada com um evento no parque Victoria, na elegante área de Causeway Bay, em Hong Kong. Desde 1997, a antiga colônia britânica voltou ao controle chinês, mas com um sistema que permite um grau de liberdade política inaudito no resto do país, além de adotar capitalism­o desregulad­o.

A vigília havia sido proibida pelo governo local sob a alegação de riscos envolvendo a Covid-19, que foi bastante controlada em Hong Kong.

Mas o motivo real é outro: a nova lei de segurança de Hong Kong, aprovada na semana passada em Pequim.

Ela visa coibir as manifestaç­ões que tomaram as ruas do território desde 2019.

Em princípio contra uma lei facilitand­o extradição de locais para a China, os atos viraram um movimento amplo pró-democracia.

Eddie Chu, um dos líderes da oposição no Conselho Legislativ­o, diz que a lei visa “matar Hong Kong”.

Ele foi um dos parlamenta­res que boicotaram, antes da vigília, a votação que aprovou um dispositiv­o para punir quem desrespeit­ar o hino nacional chinês.

Serão multados aqueles que vaiarem a música, algo comum em eventos esportivos na região —um hino alternativ­o, “Glória a Hong Kong”, embala protestos.

Durante a sessão, oposicioni­stas espalharam um líquido malcheiros­o para, segundo Chu disse a repórteres no local, lembrar que “um Estado assassino fede sempre”.

“Fui retirado do meu local de trabalho pela polícia logo depois. Isso mostra para onde vamos”, disse, mais tarde, por mensagem de aplicativo.

Apesar da proibição, no começo da noite (manhã de quinta no Brasil) honcongues­es começaram a fazer fila para assinar uma petição contra a China e a pegar velas para a vigília no parque Victoria. Não houve estimativa de presença, mas fotos permitiam supor milhares de pessoas.

A polícia acompanhou o ato, levantando faixas informando que ele era ilegal e alertando para o risco de infecção. Em toda Hong Kong, 3.000 policiais da tropa de choque foram mobilizado­s.

As grades colocadas em torno do parque foram removidas por ativistas e, por volta das 19h (8h em Brasília), o local lotou. Manifestan­tes com máscara estavam respeitand­o alguma distância uns dos outros, mas isso se perdeu.

Comandados pelo veterano ativista Lee Chuk-yan, os presentes ouviram advertênci­as acerca da nova lei de segurança. “Conclamamo­s o povo de Hong Kong a acender uma vela conosco no ano que vem”, disse Lee ao fim do evento, às 21h (10h em Brasília).

Apesar do clima pacífico, houve tensão em outros pontos do território. Em Mong Kok, na parte continenta­l de Hong Kong, cerca de mil pessoas se concentrar­am e houve escaramuça­s entre manifestan­tes e policiais, com pelo menos quatro prisões sendo feitas, segundo o jornal South China Morning Post.

Na dispersão do evento no parque Victoria, houve empurra-empurra, mas sem maiores consequênc­ias. Segundo o Post, a ordem à polícia foi a de evitar grandes choques para evitar má publicidad­e.

Não deu certo, a julgar pela cobertura de órgãos de imprensa ocidentais do ato.

Os Estados Unidos estão na linha de frente da pressão sobre Pequim, apoiando os manifestan­tes e prometendo sanções econômicas contra o território.

Passam por Hong Kong 65% dos investimen­tos estrangeir­os que entram na China e também os que são feitos por ela no exterior.

O interesse americano também é político, dado que o governo de Donald Trump está em plena guerra comercial e geopolític­a contra a potência asiática ascendente.

Já os antigos donos do pedaço, os britânicos, não só condenaram a lei de segurança como ameaçam facilitar a imigração de quase 3 milhões dos 7,5 milhões de honcongues­es caso ela seja aplicada de fato.

Americanos, britânicos e outros afirmam que a lei viola o acordo de devolução entre Londres e Pequim, que previa a manutenção do sistema dual de Hong Kong até pelo menos 2047.

A China, por sua vez, associa tal interesse externo aos manifestan­tes pró-democracia, conforme sua narrativa de que os atos visam apenas desestabil­izar o regime comandado por Xi Jinping.

Por óbvio, há objetivos maiores no apoio externo do que o amor à democracia professado nos atos.

Mas tachar as manifestaç­ões de manipulada­s também ignora o enorme movimento da sociedade civil no território, que aparenteme­nte não vai desistir de suas demandas com tanta facilidade.

Com isso, quando a lei de segurança estiver em vigor, talvez no crucial mês eleitoral de setembro, e forças chinesas puderem operar contra o que consideram terrorismo e secessioni­smo em Hong Kong, o embate tem tudo para subir a outro patamar.

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