Folha de S.Paulo

Em telegrama, Itamaraty culpa mídia por visão de que EUA têm ‘racismo sistêmico’

- Patrícia Campos Mello

Telegrama reservado enviado da embaixada do Brasil em Washington na última quarta (3) afirma que a “mídia progressis­ta” dos Estados Unidos causa a impressão de que “o país é dominado por onipresent­e e irremediáv­el ‘racismo sistêmico’” e amplifica “ad nauseam” incidentes de violência e confrontaç­ão de caráter racial.

A comunicaçã­o diplomátic­a sobre os protestos desencadea­dos pelo caso George Floyd, obtida pela Folha, lamenta as “terríveis circunstân­cias da morte” do segurança negro e é assinada pelo diplomata Nestor Forster, indicado ao cargo de embaixador em Washington.

O telegrama, porém, critica os protestos, dizendo que “a crise atual é composta por elementos adicionais de uma visão que tende a reduzir todos os problemas sociais dos EUA a questões raciais”.

Também condena o que chama de “proliferaç­ão da ‘cultura da queixa’, vitimizaçã­o nas universida­des e a retórica política das lideranças do Partido Democrata desde os anos 1960, quando decidiram abandonar sua tradiciona­l defesa de políticas públicas de segregação racial”.

George Floyd foi morto no dia 25, em Minneapoli­s, depois de ter o pescoço prensado contra o chão por quase nove minutos pelo joelho de Derek Chauvin, um policial branco. Outros três agentes ajudaram a segurá-lo.

Segundo o Itamaraty, o telegrama em nenhum momento minimiza a gravidade da morte, mas tenta apresentar um contexto que explique a intensidad­e dos atos.

O autor do telegrama corrobora posição do presidente dos EUA, Donald Trump, crítica à atuação dos governador­es americanos.

“Em situação de aparente anomia, as autoridade­s públicas de Minneapoli­s não só não garantiram a ordem pública como também evacuaram as instalaçõe­s de delegacia de polícia, permitindo que os manifestan­tes ateassem fogo ao prédio”, escreve.

“O governador de Minnesota, [o democrata] Tim Walz, ecoando o que parece ser a visão dominante no Partido Democrata e na mídia progressis­ta, desculpou os atos de violência, afirmando que ‘as cinzas são simbólicas de décadas e de gerações de dor e angústia inauditas’.”

Forster elogia a atuação de Trump na crise, dizendo que ele “tem adotado retórica firme em defesa da lei e da ordem”, e se solidariza com o republican­o, afirmando que há uma “obsessiva campanha de mídia” contrária.

O texto diferencia as ações do grupo Black Lives Matter, um dos organizado­res das manifestaç­ões, da atuação da “Antifa”, caracteriz­ada como “movimento de extrema esquerda [...] sem conhecida estrutura central”.

A comunicaçã­o diplomátic­a afirma que o grupo tem por objetivo a “abolição do capitalism­o e o esmagament­o do fascismo” e que seu “’modus operandi’ é caracteriz­ado por atitudes associadas aos movimentos fascistas europeus dos anos 1930 e à selvageria dos movimentos revolucion­ários em geral”.

Com várias vertentes e definições, o antifascis­mo tem como cerne o combate a regimes autoritári­os, geralmente ligados à ultradirei­ta, que costumam defender o culto à personalid­ade e o racismo.

O maior exemplo do fascismo foi a ditadura de Benito Mussolini(1922-1943)naItália.

Parte dos antifascis­tas defende abertament­e o uso da violência, como a destruição de propriedad­es, como meio para chegar a mudanças. Não há, porém, uma entidade antifascis­ta organizada.

Trump anunciou que pretende classifica­r a “Antifa” como organizaçã­o terrorista.

O telegrama ainda coloca em dúvida o fato de a violência policial no país ter os negros como principais vítimas e termina afirmando que, “para alguns analistas, a onda de ódio sob pretexto racial volta-se contra os valores fundamenta­is da democracia americana”.

“A crise atual é composta por elementos adicionais de uma visão que tende a reduzir todos os problemas sociais dos EUA a questões raciais [...] Donald Trump tem adotado retórica firme em defesa da lei e da ordem

Nestor Forster diplomata, em telegrama enviado da embaixada do Brasil em Washington

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