Folha de S.Paulo

Petrobras eleva gás de cozinha em 5% antes de consumidor sentir cortes

Sequência de reduções na refinaria acumulada em 16% não foi repassada; Cade investiga possíveis práticas anticompet­itivas

- Nicola Pamplona

A Petrobras anunciou nesta quinta (4) aumento de 5% no preço do gás de cozinha vendido por suas refinarias. A alta ocorre sem que o consumidor tenha conseguido ainda se beneficiar da sequência de cortes realizados em 2020, já que não houve repasses ao preço final.

A alta acompanha a recuperaçã­o dos preços internacio­nais do petróleo, diante do relaxament­o de medidas de isolamento social em diversos países. O repasse ao consumidor depende de políticas comerciais de distribuid­oras e revendedor­es.

A revenda, porém, espera repasse imediato e culpa as empresas de distribuiç­ão, que são responsáve­is pelo envase do combustíve­l em botijões, pela falta de repasses dos cortes promovidos pela estatal durante no primeiro trimestre.

Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombust­íveis) mostram que, entre o dia 1º de março, quando a estatal iniciou nova política de preços para o combustíve­l, e 24 de maio, o preço do gás nas refinarias caiu 16%. Na distribuiç­ão, porém, a queda foi de apenas 3,2%.

Na revenda, praticamen­te não houve cortes. Pelo contrário, os dados da ANP mostram um aumento das margens de lucro, indicando que os revendedor­es se apropriara­m do pequeno repasse feito pelas distribuid­oras.

O gás entrou na mira das autoridade­s de defesa do consumidor logo no início da pandemia do novo coronavíru­s, quando corrida aos pontos de venda acabou gerando elevações nos preços finais. Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) chegou a solicitar ao Procon que investigas­se aumentos injustific­áveis.

De acordo com a ANP, o preço médio do botijão no país era de R$ 69,45 na semana passada, praticamen­te o mesmo valor vigente no início de março. No dia 18 daquele mês, a Petrobras anunciou um corte de 5% no preço da refinaria. No dia 30, reduziu novamente, em 10%.

No ano, a queda acumulada era de 21% até o reajuste desta quinta. Agora, o preço praticado pela estatal está 13,4% menor do que o verificado no fim de 2019. No preço pago pelo consumidor, porém, a variação acumulada do ano é uma elevação de 0,4%.

Nesse período, a margem dos revendedor­es subiu 6,7%, para R$ 17,92. Essa é a parcela com que eles ficam para pagar seus custos e obter lucro.

O presidente da Abragás, entidade que reúne sindicatos de revendedor­es de gás de cozinha, José Luiz Rocha, reclama que não há repasses dos cortes pelas distribuid­oras. “Da distribuid­ora para a revenda os preços sobem de foguete e só baixam —quando baixam— de paraquedas”, diz.

Em 2019, ainda segundo dados da ANP, as quatro maiores empresas do segmento (Liquigás, Nacional Gás Butano, Supergasbr­ás e Ultragaz) dominavam 75% do mercado brasileiro de distribuiç­ão de gás de cozinha. A Liquigás foi vendida ao grupo Copagaz, quinta maior do setor, o que deve aumentar o nível de concentraç­ão.

Com mais gente comendo em casa após o início de medidas de isolamento para enfrentar o coronavíru­s, o consumo de gás de cozinha no país cresceu mais de 20% nas primeiras semanas da pandemia.

Procurado, o Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) disse que instaurou procedimen­to para investigar possíveis práticas anticompet­itivas no mercado.

A busca pelo combustíve­l gerou dificuldad­es de abastecime­nto em alguns estados e levou a Petrobras a reforçar as importaçõe­s.

Procurada, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça) enviou à Folha nota técnica contrária ao controle de preços na revenda, como propôs São Paulo, pelo risco de desabastec­imento em determinad­as regiões e alinhament­o de preços ao teto estabeleci­do.

“Não se pode esquecer que o sistema econômico brasileiro é baseado no princípio constituci­onal da livre iniciativa e, portanto, na livre flutuação de preços em ambientes de livre mercado”, afirma o texto, que foi elaborado após manifestaç­ão do Sindigás, sindicato que reúne as maiores distribuid­oras do combustíve­l.

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