Após prejuízo, Caixa afirma que projeto de porto do Rio é ‘inviável’
Banco cita perda de R$ 2,4 bi do FGTS até fim de 2018 e falhas nas premissas de revitalização da zona portuária
Depois de nove anos e R$ 5 bilhões do FGTS investidos na revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, a Caixa Econômica Federal afirma numa ação na Justiça que a operação urbana é inviável desde o seu início.
O banco diz que o projeto, maior investimento em infraestrutura já feito com recursos do fundo de garantia dos trabalhadores, acumulava um prejuízo de R$ 2,4 bilhões em dezembro de 2018 —última demonstração financeira anual disponível. Ele pede mudanças para que a ação se torne financeiramente sustentável.
O Fundo da Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM), gerido pela Caixa, propôs no fim de maio ação contra a Cdurp (Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária), da prefeitura, para manter a operação de dois túneis da região cuja complexidade exige gasto de R$ 2 milhões mensais. Embora a ação tenha objetivo pontual, ela faz um raio-X duro de toda a revitalização.
Segundo estudo apresentado pela Caixa à Justiça Federal, só um cenário improvável traria demanda a todos os 6,4 milhões de títulos adquiridos pelo fundo em 2011. Os papéis, chamados de Cepacs (Certificado de Potencial Adicional de Construção), permitem a construção de prédios altos na região e sua revenda financiaria obras e serviços na área ao longo de 15 anos.
O cenário provável, feito antes da crise econômica em razão da pandemia, daria vazão a apenas 68% dos papéis. Para o banco, houve “excesso de Cepacs e falha nos estudos e premissas” da operação.
A Caixa critica o fato do município ter implementado políticas urbanas que prejudicaram a região, como investimentos na Barra da Tijuca para a Olimpíada de 2016.
Segundo o banco, muitos terrenos ainda não foram disponibilizados pelo município para uso, ou foram repassados com pendências ambientais.
A Caixa também solicitou revisão das condições do projeto, que previa inicialmente o investimento de R$ 10,5 bilhões (em valores atuais) na região em 15 anos. Resta metade do valor a ser investido.
Já os dirigentes do município questionam a estratégia de, em vez de vender os Cepacs, usar os papéis para se tornar sócio dos poucos empreendimentos na região. A decisão, para a prefeitura, adiou a entrada de recursos que ajudariam no fluxo de caixa e na manutenção de obras.
A Cdurp também entrou com uma ação contra a Caixa na segunda (1º) cujos termos estão em sigilo.
Há nove anos, o FIIPM comprou os 6,4 milhões de Cepacs e o direito sobre 400.000 m2 de terrenos na zona portuária. Pagou à vista R$ 3,5 bilhões, com dinheiro do FGTS, e se comprometeu a repassar outros R$ 6,5 bilhões (em valores atuais) por 15 anos.
Era com a revenda desses terrenos e papéis que o banco manteria o cronograma de repasse até 2026. Com essas transferências, a prefeitura pagaria à concessionária Porto Novo, responsável pelas obras e serviços básicos na região, como limpeza e gerenciamento de trânsito.
A venda de um lote único ao fundo foi viabilizada por acerto político entre o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e o ex-presidente Lula.
Arrematando todos os Cepacs de uma vez, o banco disponibilizou recursos suficientes para que as principais obras do projeto —como a nova praça Mauá e o Museu do Amanhã— fossem inauguradas até 2016, ano da Olimpíada. A alternativa totalmente privada previa a venda pelo município direto aos mercado em leilões, o que deixaria o andamento das obras vulnerável ao interesse ou não dos empreendedores.
Afetada pela crise econômica a partir de 2014, a Caixa comercializou menos de 10% dos Cepacs. Quase sua totalidade foi usada para ter participação em empreendimentos, o que não gerou caixa.
Em 2015, o FGTS teve de aportar mais R$ 1,5 bilhão para manter o cronograma. Em 2016, o município emprestou R$ 198 milhões para o FIIPM, e a concessionária aceitou outros R$ 725 milhões em Cepacs como garantia de pagamento.
Na gestão Marcelo Crivella (Republicanos), a prefeitura voltou a exigir que o fundo aportasse os valores devidos.
Hoje o projeto de resume à manutenção de dois complexos de túneis. O investimento anual, que era de R$ 400 milhões, se limita desde setembro a R$ 4,3 milhões mensais.
Agora, a Caixa solicitou à Justiça para que tenha a autorização para repassar R$ 2 milhões mensais, por seis meses.
A Cdurp disse que há duas ações em curso “para a retomada da PPP e continuidade da revitalização da região porturária”. Caixa e Porto Novo não quiseram se pronunciar.