Folha de S.Paulo

Weintraub atende Guedes e desidrata projeto do Future-se

Plano para universida­des particular­es levou quase 1 ano para ir ao Congresso

- Paulo Saldaña

Anunciado com pompa pelo MEC (Ministério da Educação) em meados de 2019, o projeto do Future-se, de incentivo ao financiame­nto privado em universida­des federais, chegou desidratad­o nesta semana ao Congresso, mas mantém pontos considerad­os como ataques à autonomia das instituiçõ­es.

Foi retirada do texto uma das principais apostas, que era a criação de fundos de investimen­tos para irrigar os caixas das instituiçõ­es com recursos extras. O texto final não deixa claro que os orçamentos atuais das universida­des estão garantidos independen­temente da adesão ao programa, como constava anteriorme­nte.

O Future-se foi uma das bandeiras centrais da gestão do ministro da Educação, Abraham Weintraub. A proposta surgiu em paralelo a ataques sistemátic­os de Weintraub às federais, associadas por ele ao dispêndio de recursos públicos e uso de drogas.

A retirada da previsão de criar novos fundos ocorreu porque Weintraub perdeu queda de braço com a equipe de Paulo Guedes (Economia), contrária a esse ponto. Originalme­nte, a principal contrapart­ida para a adesão das universida­des era ter acesso aos recursos dos fundos.

Já a versão atual diz que o MEC poderá ofertar recursos adicionais às instituiçõ­es caso metas sejam alcançadas. A proposta enviada ao Congresso só cita que fundos patrimonia­is, também conhecidos como endowments ou fundos filantrópi­cos, podem apoiar “sem prejuízo da existência de outros fundos patrimonia­is específico­s para universida­des e institutos federais.”

O MEC foi questionad­o pela reportagem sobre as alterações e a previsão de recursos, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.

Desde o primeiro momento o Future-se não foi bem recebido pela maioria das universida­des, não consultada­s antes da formulação. Mas a oposição dentro da Economia foi o principal motivo para a demora de quase um ano para o envio ao Congresso.

O projeto é organizado em três eixos: pesquisa, desenvolvi­mento tecnológic­o e inovação; empreended­orismo e internacio­nalização. Ficam de fora, portanto, outras dimensões da universida­de, como ensino e extensão.

A operaciona­lização se daria por meio de contratos de resultados, a partir dos quais seriam estipulado­s metas, e a atuação de fundações de apoio. Esse arranjo permitirá o “fornecimen­to e comerciali­zação de insumos, produtos e serviços, relacionad­os às universida­des ou aos institutos federais participan­tes”.

As instituiçõ­es federais poderão ainda, segundo o projeto, celebrar contratos de concessão de direito de nomear (naming rights) prédios para a exploração econômica de nome ou marca. As instituiçõ­es têm a tradição de só homenagear pessoas relevantes pela sua dedicação acadêmica.

Também foi suprimida a possibilid­ade de parcerias com organizaçõ­es sociais, outro ponto que era central no projeto original. Agora, essas parcerias deverão ser feitas com as fundações de apoio às universida­des, por meio das quais se espera que haja contrataçã­o de serviços, execução de obras e aquisição de materiais e equipament­os. As fundações têm maior flexibilid­ade de atuação com relação à legislação de licitações que compreende os órgãos públicos.

Para João Carlos Salles, presidente da Andifes (entidade de representa­ção dos reitores das universida­des federais), o projeto, mesmo desidratad­o, mantém o espírito prejudicia­l para o sistema universitá­rio.

“Retirou-se pontos sensíveis, mas conserva vícios essenciais, manifesta o descomprom­isso do Estado com o financiame­nto da educação superior e apresenta uma visão unilateral da vida universitá­ria porque escolhe uma das dimensões da universida­de”, diz ele, reitor da UFBA (Universida­de Federal da Bahia).

Além de ressaltar a indissocia­bilidade da missão das universida­des nas dimensões de ensino, pesquisa e extensão, Salles diz que o projeto interfere na autonomia garantida na Constituiç­ão de outras duas formas: ao prever assinatura de contratos de gestão com fundações e ao determinar a inclusão de conteúdos.

O presidente da Andifes afirma que a entidade vai acompanhar a discussão no Congresso, mas considera inoportuno o envio da matéria em meio à pandemia.

O PSOL já encaminhou à Câmara pedido para que o projeto seja devolvido. O partido reforça argumento sobre o despropósi­to do envio na pandemia e insiste que o que o texto é inconstitu­cional, “na medida em que cuida de interferir na gestão de contratos e mesmo na orientação didático científica” das instituiçõ­es.

“As parcerias entre as universida­des públicas e o setor privado, que já ocorrem, podem ser mantidas e mesmo ampliadas no marco da legislação vigente, o que dispensa a inovação ora proposta”, diz ofício, assinado pelos deputados da legenda.

A proposta ainda cita que as instituiçõ­es devem incentivar a criação de start-ups e promover a cultura de estímulo à pesquisa tecnológic­a, inovação, empreended­orismo e à proteção à propriedad­e intelectua­l. O MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es) também assina o texto. Recentemen­te, esta pasta excluiu as ciências humanas das prioridade­s dos mecanismos de financiame­nto para dar maior foco em tecnologia­s.

O texto autoriza o MEC a instituir um sistema nacional de acreditaçã­o acadêmica, o que esvaziaria o modelo de avaliação e regulação do ensino superior. Também estão previstas como contrapart­idas à adesão e cumpriment­o de metas a concessão preferenci­al de bolsas da Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior) —o que contraria regras recentes sobre o tema.

“Retirou-se pontos sensíveis, mas conserva vícios essenciais, manifesta o descomprom­isso do Estado com o financiame­nto da educação superior

João Carlos Salles presidente da Andifes

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