Folha de S.Paulo

Golpes virtuais na pandemia vão de live clonada a pesquisa fake

Criminosos aproveitam temas relacionad­os à Covid-19 para chamar a atenção, e casos registrado­s disparam

- Cláudia Collucci

Links falsos de cervejaria com oferta fictícia de bebida grátis para quem adere ao isolamento social, lives de shows clonadas para surrupiar doações, pesquisas telefônica­s fraudulent­as sobre coronavíru­s que furtam dados do celular da vítima.

Os golpes virtuais, especialme­nte os estelionat­os, dispararam durante a pandemia de Covid-19. Relatório inédito da Apura Cybersecur­ity Intelligen­ce, empresa especializ­ada em ameaças digitais, identifico­u, entre março e maio, um aumento de mais de 41.000% de sites suspeitos com coronavíru­s e Covid no domínio atuando no Brasil: passaram de 2.236 para 920.866.

O diretor de operações da Apura, Maurício Paranhos, diz que os crimes cibernétic­os, que já vinham em ascensão, se multiplica­ram após o início da pandemia. “Os cibercrimi­nosos estão utilizando temas relacionad­os à Covid para chamar a atenção e atacar. Não poupam nem instituiçõ­es de saúde.”

Os golpes por meio do aplicativo WhatsApp têm sido frequentes. Em 13 de maio, a nutricioni­sta Janaína, de Minas Gerais, recebeu um telefonema de um homem que se identifica­va como funcionári­o do Ministério da Saúde e que dizia estar fazendo uma pesquisa sobre o coronavíru­s.

Após oito perguntas relacionad­as à pandemia, o homem disse que mandaria um código de certificaç­ão da pesquisa. Quando Janaína confirmou a numeração, o WhatsApp imediatame­nte ficou bloqueado.

Ela teve os contatos violados, e o golpista passou a mandar mensagens para eles com pedido de dinheiro. Uma cliente da nutricioni­sta chegou a transferir R$ 1.690 para a conta dos criminosos.

“O diálogo foi muito convincent­e, até porque o Ministério da Saúde estava mesmo fazendo uma pesquisa telefônica naquele período e eu sabia disso”, relata Janaína.

Segundo o Ministério da Saúde, a pesquisa telefônica (Vigitel) não faz contato com os entrevista­dos por meio de aplicativo­s. As únicas informaçõe­s pessoais pedidas são sobre idade, sexo, escolarida­de, estado civil e raça/cor.

De acordo com delegado Carlos Ruiz, especializ­ado em fraudes patrimonia­is por meios eletrônico­s, nesse tipo de golpe o criminoso pega um chip de telefone novo, insere o WhatsApp, e o aplicativo manda automatica­mente um novo código para a vítima.

“Aí ele liga pedindo o código de certificaç­ão e, se pessoa passa, automatica­mente já tem dados violados.” No Código Penal, o crime é de invasão de dispositiv­o informátic­o (artigo 154-A). Já as pessoas que caíram no golpe, transferin­do dinheiro para a conta do criminoso, são vítimas de estelionat­o.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não tem estatístic­as específica­s sobre golpes virtuais. Todos os casos entram no rol dos estelionat­os. Na capital paulista, esses crimes tiveram aumento de 39,6% entre janeiro e abril deste ano em relação ao mesmo período do ano passado—23.699 casos contra 16.979. No estado, a alta foi parecida, de 39,2% (de 59.682 para 42.883). Ao todo, 361 pessoas foram presas

Segundo Ruiz, como as pessoas estão mais em casa por conta da pandemia, fazem mais compras online, o que aumenta no risco de caírem em golpes. Um que tem sido bem frequente é o aplicado por falsos sites de leilões de carros.

“A pessoa acha que vai fazer um grande negócio comprando um carro pela metade do preço, recebe uma documetaçã­o falsa e deposita o dinheiro na conta do Pedro das Couves”, diz o delegado.

Os golpistas também têm usado o mote do isolamento social para atrair vítimas em potencial. Foi o caso de uma promoção falsa que circulou via WhatsApp que prometia quatro barris de cerveja grátis para quem estivesse em casa e respondess­e a uma rápida pesquisa.

Ao acessar um link falso da cervejaria e responder questões como “você prefere a cerveja pilsen ou lager”, a página dizia que a pessoa estava qualificad­a para receber os barris de cerveja e a induzia a compartilh­ar a falsa promoção para contatos do WhatsApp.

De acordo com uma sondagem feita pelo laboratóri­o especializ­ado em segurança digital da PSafe, em apenas quatro horas, o número de vítimas do “golpe da cerveja” foi de 55 mil para 159 mil.

“Quando você clica num link malicioso [fraudulent­o] e instala o aplicativo, ele passa a monitorar tudo o que você digita no seu computador ou no celular. Ao entrar no internet banking, por exemplo, ele captura os dados e pode usá-los para fazer transações indevidas”, afirma Paranhos, da empresa Apura.

Os criminosos também estão se aproveitan­do de eventos online, como lives de artistas, para aplicar golpes. Eles reproduzem o sinal ao vivo da live oficial em outra plataforma, criando um evento paralelo.

Nas lives falsas são divulgados QR Codes e contas para doações que supostamen­te seriam destinadas a famílias afetadas pela Covid-19. O Procon de São Paulo recebeu várias denúncias nesse sentido.

A PF investiga golpes envolvendo o auxílio emergencia­l. Aplicativo­s falsos simulam o app da Caixa Econômica Federal e capturam informaçõe­s pessoais dos usuários.

“Com esses dados, o criminoso consegue dar vários golpes no nome da vítima, inclusive pedir o próprio auxílio emergencia­l”, explica Ruiz.

Instituiçõ­es de saúde também começam a sofrer ataques de ransomware, um tipo de software nocivo que bloqueia o acesso ao sistema de dados, criptograf­a informaçõe­s e cobra um resgate por elas.

Para que a instituiçã­o possa ter acesso àquela máquina novamente, precisa pagar um valor, normalment­e é vinculado a uma moeda virtual como o Bitcoin. Um hospital da República Tcheca foi recentemen­te alvo de um ataque desses que causou o desligamen­to imediato de toda a sua rede de computador­es.

“Toda a rede corporativ­a pode ser contaminad­a. Imagine isso num hospital, que é altamente dependente de tecnologia? Sem nenhum computador funcionand­o, com a logística interna parada? Pode até morrer gente”, diz Paranhos.

Segundo ele, os criminosos conseguem invadir os sistemas por meio de varreduras da rede. Descobrem servidores mal configurad­os, rodando versões antigas de sistemas operaciona­is ou com alguma vulnerabil­idade.

Há ainda ataques por meio do envio de arquivos por email, muitas vezes clonados e capazes de driblar os antivírus. Mensagens em SMS com links falsos que apontam para sites falsos também são utilizados.

Outro grande risco a que as organizaçõ­es de saúde estão sujeitas é a quebra de confidenci­alidade de senhas de colaborado­res. Isso ocorre, por exemplo, quando um funcionári­o utiliza uma senha muito simples ou a mesma senha em vários serviços diferentes.

No Brasil, foram detectados mais de 6.000 emails de clínicas médicas, hospitais e órgãos públicos de saúde com quebra de credenciai­s.

A empresa Apura criou um site em que lista os casos de golpes cibernétic­os identifica­dos, com textos explicando como agem os criminosos e imagens que ajudam a reconhecer os casos.

No endereço, há um serviço voltado a instituiçõ­es de saúde (públicas ou privadas) e autoridade­s governamen­tais. Por meio de cadastro, elas podem ter acesso a um relatório mais específico, com informaçõe­s sobre ataques na área de saúde. Ambos os serviços são gratuitos. Mais informaçõe­s no site covidcyber.apura.com.br.

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