Países mais pobres viram polos do colesterol
Metade das mortes por ‘gordura ruim’ ocorrem no Leste e no Sudeste Asiático, diz estudo, com 100 milhões de adultos
O epicentro de doenças e de mortes causadas pelo colesterol no mundo mudou de posição no mapa.
Países do Leste e no Sudeste Asiático são os mais afetados pelo problema, e as mortes causadas ali pelo colesterol não HDL, conhecido popularmente como a gordura ruim, já representam metade de todos os óbitos causados por ele no mundo todo.
A informação está em um artigo que foi publicado pela revista científica Nature nesta quarta-feira (3).
Mais de 400 pesquisadores do mundo todo assinam o trabalho, que realizou um levantamento de mais de mil estudos, relatando medições do colesterol em cerca de 100 milhões de pessoas com mais de 18 anos de idade.
Os dados permitem comparar a situação em diferentes regiões desde os anos 1980 até 2018. No início do período, países mais ricos da Europa Ocidental, como Bélgica, Finlândia, Noruega, Suíça e Suécia, eram os lugares que apresentavam os maiores níveis do colesterol ruim.
Na análise mais recente, países mais pobres da Ásia, como Malásia, Filipinas e Tailândia, assumem a frente como donos das populações com os maiores índices do colesterol não HDL.
A quantidade de colesterol não HDL é obtida quando os pesquisadores subtraem o colesterol HDL (considerado bom) do colesterol total. O não HDL está associado a um maior risco de surgimento de doenças cardiovasculares, que muitas vezes levam à morte.
Esse tipo de colesterol provoca a aterosclerose, um acúmulo da gordura nas paredes das artérias. Esse acúmulo pode obstruir o fluxo sanguíneo. Em 2017, estimase que cerca de 3,9 milhões de mortes tenham sido causadas por níveis elevados de colesterol não HDL.
“Mudanças na dieta, principalmente a substituição da gordura saturada pela insaturada, são os maiores contribuintes para a redução do colesterol não HDL na Europa Ocidental”, escrevem os cientistas no artigo.
“Em contraste aos países ricos da Europa Ocidental, no Leste e no Sudeste Asiático houve um aumento no consumo de alimentos de fontes animais, carboidratos refinados [como as farinhas brancas] e óleo de palma”, acrescentam.
Outro motivo para a mudança do epicentro e para que a Ásia ficasse em evidência, de acordo com os pesquisadores, foi o aumento da utilização de estatinas na Europa Ocidental. Esses medicamentos são usados para combater o colesterol alto. Já nos países que registraram crescimento nos níveis
“Mudanças na dieta, principalmente a substituição da gordura saturada pela insaturada, são os maiores contribuintes para a redução do colesterol não HDL na Europa Ocidental trecho de artigo publicado na revista científica Nature, na quarta-feira (3)
de colesterol no corpo, o uso de estatinas permaneceu o mesmo, aponta o estudo.
“O estudo mostra que populações europeias que fazem mais atividades físicas e comem melhor têm os melhores níveis de colesterol HDL”, afirma Antonio Carlos Chagas, cardiologista do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo, que não participou do estudo.
“Hoje sabemos que não é um problema que afeta somente os mais ricos. Ele atinge todas as populações, em diferentes idades, e está relacionado aos hábitos de vida”, completa o médico, que também pesquisa colesterol.
Chagas lembra que o combate a esse mal está baseado em um tripé: a alimentação saudável, a realização de atividades físicas e a medicação, quando prescrita por um médico.
De acordo com o artigo publicado na Nature, o Brasil não apresenta mudanças significativas dentro dos últimos anos. Mas, de acordo com Chagas, as alterações nos hábitos dos brasileiros, com a ingestão de uma alimentação com mais açúcar e com a gordura e sódio dos fast-foods, só fazem aumentar o risco de colesterol mais alto, até mesmo em crianças que vivem em lugares mais pobres.
“A aterosclerose é uma doença dinâmica e universal por causas distintas”, afirma o cardiologista HCor.
Para Chagas, o papel das políticas públicas de saúde na prevenção do colesterol alto no Brasil é essencial. “Já fizemos alguns avanços com o Ministério da Saúde, mas ainda é um desafio para as sociedades médicas”, diz.
“Embora hoje tenhamos tratamentos altamente eficazes atualmente, é muito melhor investir em prevenção e educação para evitar a doença do que esperar que ela apareça”, conclui.