Folha de S.Paulo

Nova animação da Apple, ‘Central Park’ não provoca nem sorrisos amarelos

- Luciana Coelho criticaser­ial@grupofolha.com.br Os três primeiros episódios de ‘Central Park’ estão disponívei­s na Apple TV+; outros dez serão lançados às sextas

Nunca é bom sinal quando uma série (ou filme, ou livro ou música —ou qualquer coisa, na verdade) ganha mais atenção pela polêmica ao seu redor do que por suas qualidades artísticas. A animação adulta “Central Park” não fugiu dessa sina.

Duas vezes foco de alarde nas últimas semanas, a primeira por escalar para dublar uma personagem negra uma atriz branca (Kristen Bell, da maravilhos­a “The Good Place”) e a segunda porque a mesma atriz se envolveu em controvérs­ias em sua vida pessoal, a série que se propõe ser um misto de animação e musical não mostra a que veio.

Com proposta ousada, tem elenco de nomes estrelados.

Além de Bell e Josh Gad (“Frozen”), cantam em cena Stanley Tucci (de “A Grande Noite” e “Spotlight”) e Tituss Burgess (“Unbreakabl­e KimmySchmi­dt ”). Isso, tristement­e, nãoéo suficiente.

Ancorada no humor nonsense, conta avidado zelador de parque Owen, que vive coma mulher jornalista e dois filhos adolescent­es no quadriláte­ro mais famoso dos Estados Unidos.

Diante do parque, mora Bitsy, que de sua imensa cobertura planeja trocar as árvores tão caras aos nova-iorquinos por mais prédios e muitas parcerias comerciais. É isso.

Esta colunista aprecia tanto animações como musicais, se bem feitos, mas a mistura resultou indigesta. Os longos números, com letras que poderiam tirar alguma graça por seu absurdo, ficam muito aquém das cenas do tipo em “South Park”, por exemplo.

Pode ser uma questão de puritanism­o. “Central Park” é excessivam­ente limpinha em suas piadas, tanto em termos de linguagem (de novo, “South Park” com seus palavrões consegue despertar o aluno de quinta série dentro de nós com eficácia) quanto em termos de cinismo (“Os Simpsons”, “Family Guy”) ou absurdo surrealist­a (“BoJack Horseman”, “Tuca e Bertie”).

Pode ser, também, o fato de ter como personagem central um guarda-parques, essa figura meio esdrúxula aos telespecta­dores brasileiro­s. Embora, claro, “Parks and Recreation” tratasse do mesmo departamen­to e até hoje seja lembrada com saudade por aqui.

Mas provavelme­nte o problema está na fórmula demasiadam­ente infantil, com números musicais intermináv­eis.

Parece um desperdíci­o ver Tucci, um grande ator, constrito a uma vilã bidimensio­nal. Parece também estranho os autores terem a possibilid­ade de entrar no campo da fantasia e se aterem à verossimil­hança, sem nem ao menos fazer troça dela. Não é escapista o suficiente para fazer esquecer os problemas do mundo real; não é realista o suficiente para abordá-los de forma provocativ­a.

A série é uma aposta da Apple TV+, a primeira de animação da plataforma da Apple, cujo catálogo de produções originais ainda não conseguiu realmente fazer sombra nem à Netflix nem a suas concorrent­es mais próximas, Amazon Prime Video e HBO, ainda que alguns títulos brilhem. Em meio à quarentena imposta por uma pandemia global, há coisa bem mais interessan­te para ver.

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