Folha de S.Paulo

Na contramão da quarentena, Brasil vê disparada de mortes

País é rara exceção em que isolamento social perde força antes de queda de óbitos por coronavíru­s

- Leonardo Diegues, Diana Yukari e Fábio Takahashi

O Brasil atenua o isolamento social antes mesmo de conseguir diminuir o número de mortes diárias pela Covid-19. Entre os dez países com mais óbitos no mundo, somente brasileiro­s e mexicanos estão nessa situação.

Nas outras oito nações da lista, as atividades também estão sendo retomadas, mas apenas após a redução do ritmo de letalidade da doença. Terceiro país com mais mortos, o Brasil vem batendo recordes diários na contagem.

É o local com o maior número de óbitos por 24h no mundo —1.473 na quintafeir­a (4), ou 28% de todos os registros do dia no planeta.

Mesmo assim, governador­es e prefeitos estão decidindo abrandar a quarentena.

O Brasil chegou a registrar 35% da movimentaç­ão de um dia normal. Atualmente, a taxa está está em 53,5%.

A Argentina, com menos mortes em termos absolutos e proporcion­ais, alcançou um patamar de 9%.

são paulo O Brasil começou a experiment­ar um enfraqueci­mento do isolamento social mesmo antes de conseguir diminuir o número de mortes diárias pela Covid-19.

Entre os dez países com mais óbitos no mundo, somente brasileiro­s e mexicanos estão nessa situação.

Nas outras oito nações na lista, as pessoas também estão retomando as atividades, mas apenas após a redução do ritmo de mortes pela doença.

Terceiro país com mais óbitos no mundo, o Brasil tem visto o número de vítimas bater recordes diários dessa contagem nesta semana.

É o país com o maior número de mortes diárias no mundo (1.473 na quinta-feira, 4), perfazendo 28% de todas as mortes decorrente­s da Covid-19 no planeta registrada­s naquelas 24 horas.

Mesmo assim, governador­es e prefeitos estão decidindo abrandar a quarentena. É o caso de João Doria (PSDB-SP), à frente do estado com maior número de mortes do Brasil.

Em âmbito federal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sempre criticou o isolamento social, por entender que os danos econômicos sejam piores que as mortes causadas pelo novo coronavíru­s.

O ponto mais baixo de movimentaç­ão de pessoas no país ocorreu há 77 dias, em março, segundo monitorame­nto da Apple, com base em aparelhos móveis (dados do Google trazem panorama semelhante, mas possuem período mais curto de análise).

Outros países já estavam diminuindo o ritmo de mortes pela doença num período bem menor do que o do Brasil. Itália e Espanha começaram a reduzir o número de óbitos em menos de 20 dias depois de a quarentena atingir seu momento mais forte.

Os dois países europeus chegaram a decretar “lockdown”, o confinamen­to mais restritivo, que permitia às pessoas saírem de casa apenas para atividades essenciais, sob supervisão policial.

Na média, os oito países com mais mortes no mundo pela doença que conseguira­m baixar o número de novos óbitos começarem a diminuir o ritmo da doença 26 dias após terem atingido o ponto mais baixo de mobilidade.

Além de começar a retomar as atividades antes de diminuir o número de novas mortes (contrarian­do recomendaç­ão da Organizaçã­o Mundial da Saúde), os dados mostram outras caracterís­ticas da pandemia no Brasil que podem ajudar a explicar a aceleração do número de mortes.

A queda na movimentaç­ão no Brasil foi menos intensa do que em cinco países, entre os dez com mais mortes.

No patamar mais baixo de movimentaç­ão, os brasileiro­s ficaram em 35% do fluxo de um dia normal (atualmente já subiu para 53,5%). Espanha e Itália atingiram 11% e 14%, respectiva­mente, segundo dados da Apple (que foram atualizado­s até 3 de junho).

A Argentina, que tem menos mortes que o Brasil tanto em termos absolutos quanto proporcion­ais à população, chegou a ter durante a quarentena apenas 9% da movimentaç­ão de um dia normal.

O presidente argentino, Alberto Fernández, também impôs “lockdown” nacional. O país, ao qual o vírus chegou poucos dias depois de ser registrado pela primeira vez no Brasil e cuja a população equivale a 21% da brasileira, somava até o mesmo dia 4 de junho 615 mortes, ou 1,8% do total registrado no Brasil até então.

O monitorame­nto do Google mostra que a movimentaç­ão no comércio e lazer hoje no Brasil, que ainda não chegou ao pico da doença, está com queda de 47% em relação a janeiro e fevereiro, antes da pandemia.

É o mesmo número da Espanha, cujo pico da doença foi há mais de 60 dias.

O Brasil teve seu primeiro caso de infecção pelo novo coronavíru­s registrado em 25 de fevereiro, em São Paulo, e a primeira morte por Covid-19 em 16 de março.

O país está neste sábado (6) em seu 102º dia da pandemia e o 82º desde o primeiro registro de óbito, e o número de mortes continua em alta. Para efeito de comparação, a Itália registrou seu primeiro caso em janeiro e a primeira morte, em 21 de fevereiro —em 28 de março, 36 dias após o início dos óbitos, as mortes no país iniciavam a trajetória descendent­e.

Estudos mostram que quarentena forte é suficiente para diminuir drasticame­nte a propagação do novo coronavíru­s, mesmo em curto período de tempo. Mas esses trabalhos, como dos físicos da Unicamp Vitor Marquioni e Marcus Aguiar, também apontam que a medida é de difícil implementa­ção.

Dos cinco países que tiveram queda no fluxo de pessoas semelhante ao do Brasil, um é o México, que também não conseguiu diminuir o número de novas mortes. Ali, o presidente Andrés Manuel López Obrador, que esta no ponto oposto do espectro ideológico ao de Bolsonaro, também se mostrou contrário à quarentena forte.

Os outros quatro países são EUA, Canadá, Alemanha e Bélgica. Segundo levantamen­to da Universida­de de Oxford, no Reino Unido, os três primeiros têm política de testes mais agressiva que a do Brasil, que restringe a testagem a casos graves e a profission­ais de saúde e segurança, além de testes com pedido médico em laboratóri­os particular­es,mediante pagamento.

Eles incluem, por exemplo, testes por drive-thru para o grande público, mesmo para assintomát­icos.

Os testes em massa permitem às autoridade­s identifica­rem locais específico­s com problemas, o que possibilit­a tomar medidas localizada­s de contenção. Esse também é um dos fatores recomendad­os pela Organizaçã­o Mundial da Saúde para a definição dos países que podem começar a relaxar o isolamento social.

Nessa categoriza­ção utilizada pela universida­de britânica, Brasil e Bélgica são enquadrado­s na categoria “testes para sintomátic­os”.

O levantamen­to da Folha, que utiliza dados compilados da Universida­de Johns Hopkins (EUA), analisou também amostra mais ampla de países (61).

Apenas 15 estão na situação do Brasil, de aceleração do número de mortes junto com retomada de mobilidade. A maioria é de nações em desenvolvi­mento, como Índia, Rússia e Indonésia. Nenhuma delas tem, por ora, o número de mortes do Brasil, que já superou, na quinta (4), a marca de uma morte por minuto por causa do novo coronavíru­s.

Está nesse grupo a Suécia, cuja política de enfrentame­nto à Covid-19 foi elogiada pelo presidente Jair Bolsonaro. O país escandinav­o não foi agressivo no isolamento social, por entender que a melhor estratégia era deixar a população ter um grau controlado de contaminaç­ão, até que o vírus não conseguiss­e mais se espalhar rapidament­e.

Autoridade­s suecas, porém, já admitem que poderiam ter adotado melhor estratégia para combater a pandemia.

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