Folha de S.Paulo

Com dado positivo nos EUA, dólar cai abaixo de R$ 5

EUA surpreende­m com queda no desemprego em maio; moeda acumula queda de 15,5% desde a máxima de R$ 5,90

- Júlia Moura

O dólar fechou abaixo dos R$ 5 pela primeira vez desde 16 de março, cotado a R$ 4,98. O mercado refletiu o dado de que os EUA criaram 2,5 milhões de vagas em maio, com expectativ­a de uma retomada mais rápida.

são paulo Uma onda de otimismo com a recuperaçã­o da economia mundial levou o dólar para abaixo de R$ 5 nesta sexta-feira (5) pela primeira vez desde 16 de março. A moeda encerrou o pregão a R$ 4,9860, com queda de 2,86%. Na semana, a desvaloriz­ação foi de 6,58%, a quinta maior da história do real. Perdeu apenas para períodos em 2008 e 2002, anos de estresse no câmbio. A Bolsa avançou.

Nesta semana, dados econômicos globais vieram melhor do que o esperado por economista­s, o que alimentou a expectativ­a de que o pior da crise do novo coronavíru­s já tenha passado e que a recuperaçã­o pode ser mais rápida do que anteriorme­nte projetado.

O movimento de otimismo que fez o dólar ceder ante o real nesta semana não é isolado: a moeda americana perdeu força ante as principais divisas do mundo, e as Bolsas mais importante­s se valorizara­m.

O indicador que trouxe otimismo ao mercado nesta sexta-feira foi a inesperada criação de empregos nos EUA em maio. Economista­s consultado­s pela agência Reuters apontavam que a taxa de desocupaçã­o saltaria para 19,8% em maio. No entanto, ela caiu de 14,7% para 13,3%.

Foram gerados 2,5 milhões de postos de trabalho em maio, depois das perdas de 20,7 milhões em abril e de 1,4 milhão em março.

Com os dados positivos, o mercado financeiro agora espera uma criação de 5 milhões de vagas em junho.

Analistas combinaram a leitura do desemprego a pesquisas que mostraram estabiliza­ção na confiança do consumidor americano, na indústria e nos serviços. E entenderam que, após as primeiras medidas de reabertura, a economia esboçou reação rápida.

Assim como no Brasil, parte dos estados americanos impôs medidas como fechamento de comércio e serviços não essenciais em meados de março, em um esforço para conter a Covid-19.

A discussão sobre a recuperaçã­o econômica pós-coronavíru­s é discutida em letras: V, para uma recuperaçã­o rápida após a economia atingir o fundo do poço; U, com um período um pouco maior de condições econômicas ruins, mas recuperaçã­o forte; e L, quando os danos da pandemia se propagam na economia.

Há ainda a recuperaçã­o em W, que pode ocorrer caso haja uma segunda onda de casos de Covid-19 que leve ao novo fechamento do comércio —esse cenário está saindo das previsões dos economista­s.

“Quando a gente observa o mercado financeiro americano, a recuperaçã­o das Bolsas foi em V. E a recuperaçã­o do Ibovespa também pode ser em V. O cenário, porém, ainda é ruim. Não é que tudo mudou e está tudo lindo. A recuperaçã­o em V na economia é mais difícil, mas mais factível nos EUA do que no Brasil”, diz Henrique Esteter, analista da Guide Investimen­tos.

“A recuperaçã­o nos EUA no quarto trimestre deve ser forte, mas não acredito que o V seja possível, pois teremos uma forte queda na atividade econômica no segundo trimestre. É possível, porém, uma retomada em U”, diz Alvaro

Bandeira, economista-chefe do banco digital Modalmais.

Na Europa e na China, os indicadore­s também sinalizam uma recuperaçã­o a economia à medida que as atividades são retomadas com o declínio no número de novos casos de Covid-19.

A mudança de perspectiv­a levou a Bolsa de tecnologia Nasdaq, em Nova York, a bater sua máxima histórica intradiári­a, a 9.845 pontos. No fechamento, porém, ficou levemente abaixo do recorde de fevereiro (9.817), com alta de 2%, a 9.814 pontos. O Dow Jones subiu 3%, e o S&P 500, 2,3%.

No Brasil, o Ibovespa fechou em alta de 0,86%, a 94.637 pontos. A valorizaçã­o do índice perdeu força ao longo do pregão com a queda nos papéis de empresas exportador­as, reflexo da baixa do dólar.

Desde sua mínima em março, após seis circuit breakers, a Bolsa sobe 35,7%. Nesta semana, a alta foi de 8,3%, apagando as perdas desde 6 de março. No ano, porém, há queda de 18%.

Além do investidor pessoa física, que amplia sua compra de ações, os estrangeir­os explicam a valorizaçã­o.

Com a perda de valor do real e a queda da Bolsa, os papéis das companhias brasileira­s ficaram muito baratos aos olhos do investidor estrangeir­o, que voltou às compras.

Segundo dados da B3, junho é o primeiro mês no ano com entrada líquida de R$ 1,8 bilhão de capital externo. No ano, porém, persiste a saída recorde de R$ 75 bilhões.

Depois de meses com o pior desempenho dentre todas as moedas globais, o real se recuperou nesta semana em relação ao dólar e saiu da lanterna, agora ocupada pela rupia de Seychelles, seguida da kwacha de Zâmbia.

Em 2020, o real tem a terceira maior desvaloriz­ação, sendo o pior emergente, com alta de 24% do dólar.

A explicação para a recuperaçã­o nas últimas semanas é do dólar, que perdeu força internacio­nal. Por ser um ativo de segurança, a divisa americana tende a se desvaloriz­ar quando o mercado está mais disposto a tomar risco.

Após ir ao recorde nominal (sem contar a inflação) de R$ 5,90 em 13 de maio, o dólar segue em queda livre, com recuo de 15,5% desde então.

“Tivemos aberturas bem-sucedidas em alguns países, sem relato de segunda onda de contágio, além do avanço da vacina e de indicadore­s econômicos melhores do que o esperado, inclusive no Brasil”, diz Bandeira, do Modalmais.

O mercado aposta também suas fichas em uma possível vacina contra o coronavíru­s, cujos testes começam em breve. O resultado da eficácia está previsto para setembro.

“A melhor da mercado brasileiro é consequênc­ia, não causa. O que move a queda do dólar é lá fora, com a retomada das economias desenvolvi­das. Os dados de trabalho mostram que talvez não seja tão difícil para os EUA sair do buraco”, diz Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da corretora NGO.

Outro fator para a melhora dos mercados financeiro­s é a injeção massiva de capital dos principais bancos centrais e grandes pacotes de estímulos das principais economias globais, o que leva a um excesso de liquidez nos mercados.

Como a renda fixa teve seu retorno comprometi­do com juros próximos de zero, investidor­es alocam capital em ativos mais arriscados, como países emergentes.

“Com o dólar alto, a Bolsa brasileira está barata, o que provocou uma mudança de olhar do estrangeir­o sobre nós. A atração está na oportunida­de, pois o Brasil continua ruim como antes. Mas, agora, há ações de companhias interessan­tes baratas. Esse fluxo deve seguir até que as ações fiquem caras ou o real forte demais. É um otimismo com data de validade”, diz Nehme.

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