Presidente fala em ‘viés’ e ameaça abandonar a OMS
Brasil passa de 35 mil mortes e 645 mil casos da Covid-19; números foram publicados após as 21h30
A exemplo do presidente dos EUA, Donald Trump, Jair Bolsonaro afirmou ontem que o Brasil pode deixar a OMS caso a organização não abandone seu “viés ideológico” e deixe de ser uma entidade “política e partidária”.
brasília O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu nesta sexta-feira (5) o atraso da divulgação dos boletins do Ministério da Saúde sobre o avanço do coronavírus no Brasil e disse que, com a mudança de horário das 19h para as 22h, “acabou matéria no Jornal Nacional”. Ele também se referiu à Rede Globo, que veicula o Jornal Nacional, como “TV funerária”.
As declarações ocorreram na porta do Palácio da Alvorada e foram transmitidas pela CNN Brasil.
Na época do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, demitido em 16 de abril, o Ministério da Saúde costumava publicar os boletins da Covid-19, com informações como número de infectados, óbitos e casos em acompanhamento, às 17h. Na gestão de Nelson Teich, a divulgação passou a ser às 19h.
Na quarta-feira (3) e na quinta (4), o Ministério da Saúde só divulgou o boletim às 22h, alegando problemas técnicos. Nesses dois dias, o Brasil bateu recordes no número de óbitos computados em um dia: 1.349 na quarta e 1.473 na quinta.
O Jornal Nacional, que começa às 20h30, informou que passaria, então, a usar o balanço das secretarias estaduais de Saúde.
A Globo divulgou nota, lida no Jornal Nacional, em que diz: “O público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora. Saberá se age por motivação técnica, como alega, ou se age por propósitos que não pode confessar mais claramente. Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados. Porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público.”
Questionado sobre o tema na noite desta sexta, Bolsonaro não confirmou ter dado a ordem para que a divulgação dos números ocorresse depois da exibição do Jornal Nacional e disse que, com o novo horário, os dados saem “mais consolidados”.
“É para pegar o dado mais consolidado. E tem que divulgar os mortos no dia. Por exemplo, parece que dois terços dos mortos eram de dias anteriores, o mais variado possível. Tem que divulgar os do dia. O resto consolida pra trás”, defendeu o mandatário.
Ele se referia à metodologia da informação de óbitos em 24 horas. O dado traz o número de registros e há casos de pessoas que morreram em dias anteriores, mas cujos testes só ficaram prontos e foram computados na data da divulgação.
No entanto, o presidente citou o telejornal e disse que o governo “não tem que correr para atender a Globo”.
“Tem que saber quem perdeu a vida por causa da Covid ou com Covid. Às vezes a pessoa tem dez comorbidades, 94 anos, e pegou o vírus. Potencializa. A Globo, o Jornal Nacional, gosta de dizer que o Brasil é recordista em mortes. Falta, inclusive, seriedade. Bota mortes por milhão de habitante. É como querer comparar morte do Brasil, que tem 200 milhões de habitantes, com país que tem 10 milhões de habitantes.”
Questionado sobre se a ordem de atrasar a publicação saiu do Palácio do Planalto, Bolsonaro respondeu: “Não interessa de quem partiu, é justo sair às 22h, é o dado completamente consolidado. Muito pelo contrário, não tem que correr para atender a Globo”.
“[É] o horário adequado. Se ficar pronto às 21h, tudo bem. Mas não vai correr às 18h para atender a Globo, a TV funerária.Consolidacomclareza,precisão, data certinho”, concluiu.
Nesta sexta (5), o Ministério da Saúde informou pelo terceiro dia consecutivo que o boletim só seria divulgado às 22h. A pasta afirmou que compila informações fornecidas pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde.
“Assim, a pasta analisa e consolida os dados, sendo que em alguns casos há necessidade de checagem junto aos gestores locais. Desta forma, o Ministério da Saúde tem buscado ajustar a divulgação dos dados, que são publicados diariamente na plataforma covid.saude. gov.br”, afirmou o ministério.
O boletim desta sexta foi divulgado com dados até as 21h30. Segundo o comunicado, o Brasil registrou 1.005 óbitos e 30.830 novos casos em 24 horas, somando 35.026 mortos e 645.771 infectados pelo novo coronavírus.
Após a divulgação dos dados pelo ministério, já após o fim do Jornal Nacional, o Plantão da Globo, com o apresentador William Bonner, entrou no ar durante a novela das 21h.
Na quinta, exatos cem dias após a doença ter sido confirmada pela primeira vez no Brasil, foram registrados 1.473 novos óbitos por Covid-19 —o que significa que o vírus fez mais de uma vítima por minuto no país. O Brasil superou a Itália, país que simbolizou primeiro a tragédia da pandemia, tornando-se o terceiro no ranking de óbitos resultantes da doença no mundo.
Além do atraso, o governo Bolsonaro também reduziu os detalhes da divulgação. Nesta sexta, o boletim com a situação epidemiológica da Covid-19 só trouxe dados de casos e mortes relacionados às últimas 24 horas.
A divulgação não trouxe os números acumulados até agora, como vinha fazendo, e não deixou claro se os dados atualizados de óbitos levam também em conta mortes que ocorreram dias atrás mas só tiveram a confirmação de Covid-19 nas últimas 24 horas.
A pasta também deixou de divulgar o número de casos em investigação para a doença, que até a quinta era de 4.159. O portal do Ministério da Saúde com as informações consolidadas está fora do ar.
Ao Jornal Nacional, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, se os atrasos persistirem, o Legislativo pretende criar um sistema próprio com as secretarias locais de Saúde para garantir a publicidade dos números.
“A Câmara dos Deputados com certeza vai trabalhar com os estados e a sociedade civil. Nós temos que organizar de algum jeito as informações para a sociedade. O ideal é que o governo restabeleça isso o mais rápido possível”, afirmou.