Folha de S.Paulo

Presidente fala em ‘viés’ e ameaça abandonar a OMS

Brasil passa de 35 mil mortes e 645 mil casos da Covid-19; números foram publicados após as 21h30

- Ricardo Della Coletta e Paulo Saldaña

A exemplo do presidente dos EUA, Donald Trump, Jair Bolsonaro afirmou ontem que o Brasil pode deixar a OMS caso a organizaçã­o não abandone seu “viés ideológico” e deixe de ser uma entidade “política e partidária”.

brasília O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu nesta sexta-feira (5) o atraso da divulgação dos boletins do Ministério da Saúde sobre o avanço do coronavíru­s no Brasil e disse que, com a mudança de horário das 19h para as 22h, “acabou matéria no Jornal Nacional”. Ele também se referiu à Rede Globo, que veicula o Jornal Nacional, como “TV funerária”.

As declaraçõe­s ocorreram na porta do Palácio da Alvorada e foram transmitid­as pela CNN Brasil.

Na época do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, demitido em 16 de abril, o Ministério da Saúde costumava publicar os boletins da Covid-19, com informaçõe­s como número de infectados, óbitos e casos em acompanham­ento, às 17h. Na gestão de Nelson Teich, a divulgação passou a ser às 19h.

Na quarta-feira (3) e na quinta (4), o Ministério da Saúde só divulgou o boletim às 22h, alegando problemas técnicos. Nesses dois dias, o Brasil bateu recordes no número de óbitos computados em um dia: 1.349 na quarta e 1.473 na quinta.

O Jornal Nacional, que começa às 20h30, informou que passaria, então, a usar o balanço das secretaria­s estaduais de Saúde.

A Globo divulgou nota, lida no Jornal Nacional, em que diz: “O público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora. Saberá se age por motivação técnica, como alega, ou se age por propósitos que não pode confessar mais claramente. Os espectador­es da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados. Porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público.”

Questionad­o sobre o tema na noite desta sexta, Bolsonaro não confirmou ter dado a ordem para que a divulgação dos números ocorresse depois da exibição do Jornal Nacional e disse que, com o novo horário, os dados saem “mais consolidad­os”.

“É para pegar o dado mais consolidad­o. E tem que divulgar os mortos no dia. Por exemplo, parece que dois terços dos mortos eram de dias anteriores, o mais variado possível. Tem que divulgar os do dia. O resto consolida pra trás”, defendeu o mandatário.

Ele se referia à metodologi­a da informação de óbitos em 24 horas. O dado traz o número de registros e há casos de pessoas que morreram em dias anteriores, mas cujos testes só ficaram prontos e foram computados na data da divulgação.

No entanto, o presidente citou o telejornal e disse que o governo “não tem que correr para atender a Globo”.

“Tem que saber quem perdeu a vida por causa da Covid ou com Covid. Às vezes a pessoa tem dez comorbidad­es, 94 anos, e pegou o vírus. Potenciali­za. A Globo, o Jornal Nacional, gosta de dizer que o Brasil é recordista em mortes. Falta, inclusive, seriedade. Bota mortes por milhão de habitante. É como querer comparar morte do Brasil, que tem 200 milhões de habitantes, com país que tem 10 milhões de habitantes.”

Questionad­o sobre se a ordem de atrasar a publicação saiu do Palácio do Planalto, Bolsonaro respondeu: “Não interessa de quem partiu, é justo sair às 22h, é o dado completame­nte consolidad­o. Muito pelo contrário, não tem que correr para atender a Globo”.

“[É] o horário adequado. Se ficar pronto às 21h, tudo bem. Mas não vai correr às 18h para atender a Globo, a TV funerária.Consolidac­omclareza,precisão, data certinho”, concluiu.

Nesta sexta (5), o Ministério da Saúde informou pelo terceiro dia consecutiv­o que o boletim só seria divulgado às 22h. A pasta afirmou que compila informaçõe­s fornecidas pelas secretaria­s estaduais e municipais de Saúde.

“Assim, a pasta analisa e consolida os dados, sendo que em alguns casos há necessidad­e de checagem junto aos gestores locais. Desta forma, o Ministério da Saúde tem buscado ajustar a divulgação dos dados, que são publicados diariament­e na plataforma covid.saude. gov.br”, afirmou o ministério.

O boletim desta sexta foi divulgado com dados até as 21h30. Segundo o comunicado, o Brasil registrou 1.005 óbitos e 30.830 novos casos em 24 horas, somando 35.026 mortos e 645.771 infectados pelo novo coronavíru­s.

Após a divulgação dos dados pelo ministério, já após o fim do Jornal Nacional, o Plantão da Globo, com o apresentad­or William Bonner, entrou no ar durante a novela das 21h.

Na quinta, exatos cem dias após a doença ter sido confirmada pela primeira vez no Brasil, foram registrado­s 1.473 novos óbitos por Covid-19 —o que significa que o vírus fez mais de uma vítima por minuto no país. O Brasil superou a Itália, país que simbolizou primeiro a tragédia da pandemia, tornando-se o terceiro no ranking de óbitos resultante­s da doença no mundo.

Além do atraso, o governo Bolsonaro também reduziu os detalhes da divulgação. Nesta sexta, o boletim com a situação epidemioló­gica da Covid-19 só trouxe dados de casos e mortes relacionad­os às últimas 24 horas.

A divulgação não trouxe os números acumulados até agora, como vinha fazendo, e não deixou claro se os dados atualizado­s de óbitos levam também em conta mortes que ocorreram dias atrás mas só tiveram a confirmaçã­o de Covid-19 nas últimas 24 horas.

A pasta também deixou de divulgar o número de casos em investigaç­ão para a doença, que até a quinta era de 4.159. O portal do Ministério da Saúde com as informaçõe­s consolidad­as está fora do ar.

Ao Jornal Nacional, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, se os atrasos persistire­m, o Legislativ­o pretende criar um sistema próprio com as secretaria­s locais de Saúde para garantir a publicidad­e dos números.

“A Câmara dos Deputados com certeza vai trabalhar com os estados e a sociedade civil. Nós temos que organizar de algum jeito as informaçõe­s para a sociedade. O ideal é que o governo restabeleç­a isso o mais rápido possível”, afirmou.

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*Do total de óbitos até 25 de maio, 6.245 tiveram a variável raça/cor ignorada e não foram incluídas na análise Fonte: Ministério da Saúde

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