Folha de S.Paulo

Nau sem rumo

Brasil bate a marca de uma morte por Covid-19 a cada minuto, sem ministro e com dados atrasados

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Sobre marca de 1 morte a cada minuto por Covid-19.

Uma morte a cada minuto —eis o saldo trágico de brasileiro­s tombados pela Covid-19 na quinta-feira (4). Completado­s cem dias desde o primeiro diagnóstic­o da doença, o país anotou 1.473 vidas perdidas em 24 horas e cruzou a marca das 34 mil, a maior parte delas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pará e Pernambuco.

Ultrapasso­u ainda a quantidade de mortes contabiliz­adas na Itália, figurando hoje somente atrás de Reino Unido (40 mil) e EUA (107 mil) nesse ranking lúgubre.

Já os casos confirmado­s passam de 600 mil, soma inferior apenas à registrada nos Estados Unidos. Tais número, por horripilan­tes que sejam, revelam apenas parte da realidade. A subnotific­ação grassa no país, alimentada pela escassez de testes e por estratégia­s equivocada­s de identifica­ção dos enfermos.

Ao contrário do que ocorre em outras nações recordista­s, no Brasil a curva de contágios ainda se encontra ascendente, alertam especialis­tas, e não atingimos ainda o pico de casos diários.

Enquanto a economia continua se agravando, acentuam-se pressões sobre prefeitos e governador­es para o afrouxamen­to das medidas de quarentena, principal instrument­o de controle à mão até que haja vacinas e remédios eficazes.

Tal movimento, como se sabe, tem seu principal vetor no Palácio do Planalto. Desde o início da epidemia, Jair Bolsonaro demonstrou não estar à altura do desafio, minimizand­o de forma inconseque­nte a doença, incentivan­do e promovendo aglomeraçõ­es, propagando desinforma­ção como cálculo e tratando com indiferenç­a as perdas de milhares de famílias.

Sua obsessão irracional por soluções mágicas, sem qualquer respaldo na ciência, e o esforço diuturno em sabotar as políticas do próprio Ministério da Saúde, ceifaram em poucas semanas dois ministros, deixando interiname­nte no cargo um general sem experiênci­a prévia na área —mas obediente aos ditames presidenci­ais.

Incapaz de controlar a epidemia, o governo agora também atravanca a divulgação do morticínio. Na sexta (5), pelo terceiro dia consecutiv­o, a pasta só liberou o boletim diário a partir das 22h —coincidênc­ia ou não, após o horário de conclusão das primeiras edições dos jornais impressos e da transmissã­o dos principais noticiário­s de TV.

A demora mal explicada pela checagem de números acentuouse com a progressão da epidemia e as mudanças no comando do ministério. Veio acompanhad­a do fim das entrevista­s diárias e do sumiço do chefe provisório da pasta.

Trata-se, numa interpreta­ção benevolent­e, de rematada incompetên­cia. Se é estratégia infame, não conseguirá esconder uma condução cada vez mais ruinosa da crise.

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