Folha de S.Paulo

Socorro cultural

Congresso mais uma vez ocupa vácuo deixado por Bolsonaro ao aprovar plano duvidoso para o setor

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Acerca de aporte aprovado no Congresso para o setor.

Na ausência de uma estratégia nacional abrangente para o enfrentame­nto dos efeitos da pandemia de Covid-19, que deveria caber ao Executivo federal, outras instâncias de poder vão tomando providênci­as conforme surgem urgências e pressões —com inevitável prejuízo para o debate de mérito e a coesão de objetivos.

É nesse contexto que o Congresso acaba de aprovar um socorro financeiro de R$ 3 bilhões ao setor cultural, batizado de Lei Aldir Blanc. Para de fato se tornar lei, entretanto, o texto depende da sanção do presidente Jair Bolsonaro.

Não se discute a justeza da homenagem ao compositor há pouco falecido, vítima do novo coronavíru­s. Tampouco se pode negar que espetáculo­s musicais, produções teatrais e exibições de cinema, entre outros, figuram entre as atividades mais dramaticam­ente afetadas pelo distanciam­ento social.

Menos claro é se a cultura deve merecer primazia ante outros setores também em grave crise, se o montante destinado se mostra adequado ou se os parlamenta­res escolheram a melhor maneira de distribuiç­ão dos recursos.

Conforme o projeto votado em poucos dias pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, o dinheiro será repassado pelo governo federal a estados, Distrito Federal e municípios. Cumpre recordar que o mesmo Congresso aprovou semanas atrás um amplo pacote de ajuda aos governos subnaciona­is —aliás, sem os devidos cuidados com o bom emprego da verba.

Parte do socorro cultural será destinada ao pagamento de um benefício mensal temporário de R$ 600 mensais a profission­ais da área, em moldes similares aos do auxílio emergencia­l já em vigor para trabalhado­res informais e de baixa renda. Não parece clara a necessidad­e de um auxílio à parte, nem como será feita sua fiscalizaç­ão.

Outras aplicações previstas são concessão de subsídios, linhas de crédito e programas de fomento. Com os recursos pulverizad­os entre 26 estados, Distrito Federal e mais de 5.500 municípios, verificar o uso correto será tarefa inglória.

No meio político e na comunidade artística, teme-se o veto presidenci­al ao texto, no qual há digitais de partidos de esquerda. Nessa hipótese, o governo deveria apresentar algum tipo de política alternativ­a para o setor na pandemia.

Tratando-se de Bolsonaro, que nem mesmo formula medidas para setores que vê com menos hostilidad­e, tal expectativ­a não é realista.

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