Folha de S.Paulo

Pandemia afeta pesca artesanal da tainha no litoral de Santa Catarina

Pescadores deixam de lado tradição centenária de comemorar com abraços e aperto de mão a captura de cardume

- Vanessa da Rocha

florianópo­lis A tradição centenária de pesca da tainha no litoral catarinens­e tem passado por mudanças para que as atividades sejam mantidas durante a pandemia. Os 42 mil pescadores de Santa Catarina, que são responsáve­is por cerca de 80% da tainha pescada no país, adotaram novos hábitos para garantir a safra.

Na pesca artesanal, que costuma ser feita de forma coletiva, foi adotado o distanciam­ento. Máscaras e álcool em gel se tornaram itens obrigatóri­os entre os pescadores. E os abraços e os apertos de mão, que costumavam marcar a comemoraçã­o pela captura de um cardume, passaram a ser evitados.

Apesar da mudança na forma de pescar e do medo de contaminaç­ão, a expectativ­a dos pescadores artesanais é que a safra de 2020 supere a do ano passado, quando foram capturadas 1.160 toneladas de tainha.

“Neste ano, devemos pegar 1.800 toneladas”, diz Ivo da Silva, presidente da Fepesc (Federação dos Pescadores do Estado de Santa Catarina).

O otimismo fica restrito aos pescadores artesanais. Na pesca industrial catarinens­e, o clima é de descontent­amento. “Neste ano, das 103 embarcaçõe­s do Sudeste e Sul, só foram liberadas 10% [para pescar tainha]. É inacreditá­vel”, afirma o coordenado­r do sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e da Região (Sindipi), Agnaldo Hilton dos Santos.

O governo federal estabelece todos os anos a cota máxima para a captura de tainha nas regiões Sul e Sudeste do país. Em 2020, o limite de pesca é de 4.481 toneladas, sendo que a cota industrial não pode ultrapassa­r 627,8 toneladas, o que equivale a 13% do total permitido.

“No ano passado tínhamos 46% [do total da safra]. A gente é a favor da cota, mas a distribuiç­ão não está correta”, diz Hilton dos Santos. “Perde a indústria, perde o município, perde o Brasil porque afeta a exportação.”

Relatório da WWF-Brasil divulgado em 2017 apontou Santa Catarina como um dos principais polos de pesca marinha do país.

Apesar do impacto do setor para a economia, não são divulgadas estatístic­as oficiais sobre produção. O estudo

Mario Cesar de Carvalho pescador de Imbituba, no litoral sul catarinens­e

aponta que a falta de dados prejudica a atividade pesqueira. “Não há interesse por pesquisa. Como vamos prosperar sem incentivo?”, diz o presidente da Fepesc, Ivo da Silva.

A temporada da tainha começou no dia 1º de junho para a pesca industrial e em 1º de maio para a pesca artesanal na modalidade arrasto de praia, que afirma já ter capturado 550 toneladas.

“Causa impacto em tudo, né? Pessoal gosta de fazer farra quando pesca porque a gente espera o ano todo por isso, mas a gente tem respeito ao que está acontecend­o. Diminuiu o tamanho dos grupos, tem distância, todo o mundo usando máscara, gel na mão”, diz Mario Cesar de Carvalho, que é pescador de Imbituba, no litoral sul catarinens­e.

A nova forma de pescar foi estabeleci­da por uma portaria da Secretaria de Saúde de Santa Catarina.

“Se não fossem essas regras, eles não poderiam estar pescando. O decreto do estado proíbe qualquer tipo de aglomeraçã­o e restringe a circulação nas praias”, diz Sérgio Winckler, gerente de Pesca e Aquicultur­a da Secretaria Estadual da Agricultur­a, da Pesca e do Desenvolvi­mento Rural.

A pesca artesanal de tainha é responsáve­l pelo sustento de 19 mil famílias catarinens­es, segundo a Fepesc.

Antes da liberação, os pescadores passaram por incerteza por causa da pandemia. Hoje, a rotina envolve cuidados e medo de contágio.

“A gente está consciente de que esse vírus aí mata”, diz Pedro Aparício Inácio, que pesca na praia do Campeche, em Florianópo­lis.

As ações de pesca artesanal de arrasto de tainha envolvem dezenas de pessoas em funções variadas. São os “olheiros”, que ficam em pontos altos da praia para observar a chegada dos cardumes; os barqueiros, que esperam o aviso para remar em altomar e fazer o cerco aos peixes; e os puxadores, que fazem força para arrastar a rede com as centenas de quilos de tainha para a areia.

“São no mínimo umas 20 pessoas na areia para puxar as tainhas”, diz Carvalho.

Além dos pescadores, os moradores das comunidade­s pesqueiras costumam ajudar no trabalho braçal e são recompensa­dos com peixes para o almoço, o que faz parte da tradição local.

“Pessoal gosta de fazer farra quando pesca porque a gente espera o ano todo por isso, mas a gente tem respeito ao que está acontecend­o. Diminuiu o tamanho dos grupos, tem distância, todo o mundo usando máscara, gel na mão

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Anderson Coelho/Folhapress Tainha capturada por pescador na praia do Campeche, em Florianópo­lis
 ?? Anderson Coelho/ Folhapress ?? Pesca artesanal de tainha na praia do Campeche, em Florianópo­lis
Anderson Coelho/ Folhapress Pesca artesanal de tainha na praia do Campeche, em Florianópo­lis

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