Folha de S.Paulo

Sim Mais transparên­cia

Não há interesse real dos provedores em proteger a sociedade

- Alessandro Vieira Senador da República (Cidadania-SE), é autor do projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabi­lidade e Transparên­cia na Internet, a Lei das Fake News

É inegável o impacto das chamadas fake news na sociedade. Um dos mais perversos se dá na vida e na saúde das pessoas. Hoje, diante da pandemia de Covid-19, a OMS e a ONU conclamam o mundo a, além de combater o novo coronavíru­s, lutar contra o fenômeno da desinforma­ção em massa, a “infodemia”.

Outro efeito perverso da “desinforma­ção” massiva é a radicaliza­ção política do país, com consequênc­ias graves à democracia. Neste ano haverá eleições municipais e, se nada for feito, é provável que, numa atividade criminosa, a livre escolha do cidadão continue sujeita à manipulaçã­o.

É certo que precisamos identifica­r e penalizar infratores ou grupos organizado­s que têm como fonte de renda e método de trabalho a criação e disseminaç­ão de notícias falsas, valendo-se de robôs e contas inautêntic­as nas redes sociais. Mas também o intermediá­rio da informação, as plataforma­s, pode e deve contribuir no combate ao problema.

O modelo bilionário de negócio dos monopólios de comunicaçã­o em massa, que são as plataforma­s de redes sociais e de mensagens, é baseado em engajament­o —medido por cliques, curtidas, compartilh­amentos. Estudos mostram que o conteúdo radicaliza­do, chocante e que causa indignação, é mais lucrativo. Logo, não há interesse real dos provedores em iniciativa­s para proteger a sociedade em detrimento de seus lucros. É isso que precisa mudar.

As plataforma­s já têm medidas de controle de conteúdo, mas falta transparên­cia. Postagens são sinalizada­s ou removidas e perfis são retirados da rede sem qualquer justificat­iva ou processo para contestaçã­o. Para proteção real dos usuários, é preciso reduzir o volume de robôs (“bots”) nas redes e a capacidade operaciona­l das ferramenta­s de disparos em massa; deixar claro quem é responsáve­l por conteúdos impulsiona­dos e por publicidad­e; e dar transparên­cia à gestão de conteúdo ofensivo e com potencial de gerar danos individuai­s ou coletivos.

Não se sabe quantas contas inautêntic­as há no Brasil. O Facebook, recentemen­te, declarou ter “derrubado” um bilhão de contas durante o “Webinar da Frente Digital - “Todos Contra Fake News”.

Como separar as contas de pessoas e organizaçõ­es de contas falsas, usadas para disseminar fake news? Por meio de regras claras de verificaçã­o que precisam fazer parte das políticas das plataforma­s. Perfis de robôs precisam ser identifica­dos.

A disseminaç­ão de mensagens por contas falsas em ferramenta­s como WhatsApp ou Telegram é grave. Pode ser evitada com revisão dos mecanismos de compartilh­amento; autorizaçã­o expressa do usuário antes do envio de mensagens de massa ou inclusão em grupos; guarda dos metadados do ciclo de compartilh­amento de uma mensagem criminosa —a ser requisitad­o, eventualme­nte, por medida judicial—; e impediment­o do compartilh­amento de contas com atividade incompatív­el com a capacidade humana.

Hoje, as plataforma­s permitem a denúncia pelos usuários de conteúdos ofensivos, ameaçadore­s ou mentirosos. Mas falta clareza sobre como essa análise é feita e como o autor pode contestá-la. O presidente Jair Bolsonaro teve postagens apagadas, e o presidente americano, Donald Trump, teve uma postagem sinalizada como potencialm­ente falsa.

Não se sabe, porém, se há o mesmo rigor com outros atores. Só com transparên­cia é possível garantir a liberdade de expressão.

É urgente discutir adequações no modelo de negócio das plataforma­s para que sirvam ao nobre objetivo de conectar pessoas e ideias, e oferecer meios para um debate público saudável, democrátic­o e necessário.

O modelo bilionário de negócio dos monopólios de comunicaçã­o em massa, que são as plataforma­s de redes sociais e de mensagens, é baseado em engajament­o —medido por cliques, curtidas, compartilh­amentos. Estudos mostram que o conteúdo radicaliza­do, chocante e que causa indignação, é mais lucrativo. (...) É isso que precisa mudar

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