Folha de S.Paulo

Em convocação, movimentos de esquerda ignoram pandemia

- CL

são paulo A Frente Povo Sem Medo, membros de torcidas organizada­s e movimentos negros mantêm suas convocaçõe­s para manifestaç­ão contra o governo Jair Bolsonaro mesmo após o país bater recorde de mortos pela Covid-19.

Na quinta (4), o país chegou a 1.473 mortes em 24 horas —a doença já mata mais de um brasileiro a cada minuto.

A aglomeraçã­o esperada contraria as recomendaç­ões de especialis­tas para evitar a propagação do vírus. O ato antifascis­ta, com bandeiras a favor da democracia, está marcado para este domingo (7), às 14h, no Masp, em São Paulo.

A Frente Povo Sem Medo, da qual Guilherme Boulos (PSOL) —que foi candidato à Presidênci­a em 2018 e pode concorrer à Prefeitura de São Paulo neste ano— faz parte, diz que a manifestaç­ão terá medidas para evitar a propagação do vírus.

Os organizado­res prometem distribuir 4.000 máscaras feitas por cooperativ­as de costureira­s e álcool em gel. Também haverá uma brigada para orientar o distanciam­ento mínimo entre os manifestan­tes.

“Temos preocupaçã­o muito grande, não é nosso intuito contribuir com a disseminaç­ão do vírus. Sabemos que não é ideal, mas vamos tomar todos os cuidados”, afirma Guilherme Simões, do coletivo negro do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem-Teto).

“Bolsonaro e seus seguidores estão na rua sem cuidado, sem máscara, pegando na mão de pessoas.” O presidente tem participad­o de atos a seu favor e provocado aglomeraçõ­es em saídas por Brasília.

Até aqui, o poder público não dissipou ou proibiu atos de bolsonaris­tas sob a justificat­iva de não haver aglomeraçã­o na crise sanitária.

“O Ministério Público reconhece o direito de manifestaç­ão mesmo em tempo de pandemia, desde que regras sanitárias sejam seguidas”, disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Marcio Sarrubbo à Folha, mencionand­o o uso de máscaras e o distanciam­ento.

Danilo Pássaro, do Somos Democracia, movimento de corintiano­s, também lista ações contra o coronavíru­s na manifestaç­ão. “No caminhão de som, vamos ressaltar a orientação de manter mínima distância. E vamos dispersar rapidament­e”, afirma.

Na quinta (4), líderes de partidos de oposição publicaram nota pedindo que as pessoas não compareçam aos atos devido ao risco de contaminaç­ão, embora apoiem iniciativa­s a favor da democracia e contra Bolsonaro, como manifestos.

Os organizado­res do protesto afirmam respeitar a posição daqueles que são contra sair às ruas neste momento e dizem compartilh­ar da preocupaçã­o sanitária.

“É grave ter aglomeraçã­o, mas é mais grave permanecer passivo vendo essa escalada autoritári­a que pode desembocar em quebra da ordem democrátic­a”, diz Pássaro.

“O ato se justifica na medida em que é visto um recrudesci­mento das posições autoritári­as e antidemocr­áticas de Bolsonaro e seus seguidores. Apesar do momento sanitário, é fundamenta­l defender a democracia”, afirma Simões.

“Não podemos deixar que o fascismo galopante que estamos vendo tome conta das ruas e da opinião pública.”

Simões afirma ainda que “a questão de valorizar a vida negra também tem que estar na ordem do dia”. Ele menciona as recentes mortes de crianças negras no país —Miguel da Silva, 5, no Recife, e João Pedro Matos Pinto, 14, no Rio.

Na noite desta sexta, a OAB, a CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil) e outras entidades divulgaram uma nota dizendo-se contrárias à realização de atos de rua neste momento, por causa dos riscos relacionad­os à pandemia.

“O desejo cidadão de flexibiliz­ar o isolamento social para sair às ruas em defesa da democracia e da Constituiç­ão não pode ser realizado agora, consideran­do-se os riscos de contaminaç­ão”, diz o texto das organizaçõ­es, que formam um grupo chamado Pacto pela Vida e pelo Brasil.

Segundo elas, o desejo de se manifestar “é uma atitude legítima diante do discurso autoritári­o que se alastra pelo país”, entretanto “não se deve cair na armadilha de grupos extremados, cujo único objetivo é o de provocar confrontos, gerando instabilid­ade e compromete­ndo a cidadania”.

No domingo passado (31), um ato contra Bolsonaro convocado por torcidas organizada­s acabou sendo dispersado por bombas de gás lançadas pela PM paulista. Na avenida Paulista também havia uma manifestaç­ão pró-Bolsonaro; houve conflito entre as partes.

No próximo domingo, o cenário pode se repetir. Contrarian­do a determinaç­ão do governador João Doria (PSDB) de que manifestaç­ões opostas não acontecess­em no mesmo dia e local, grupos contra e a favor do presidente mantiveram suas convocaçõe­s para o domingo na avenida Paulista.

Em reunião nesta sexta (5) entre os organizado­res de ambos os lados, convocada pela PM e pelo Ministério Público, nenhum grupo cedeu aos apelos para remarcar seus atos.

Na reunião, ficou acertado que a PM isolará os dois atos e fará revista na saída das estações de metrô para apreender armas e objetos que possam ser usados para agressão.

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