Novo laudo reacende protestos contra morte de jovem na França
são paulo No oitavo dia em que milhares de americanos foram às ruas protestar contra a morte de George Floyd, assassinado por um policial nos Estados Unidos, mais de 20 mil franceses voltaram a se manifestar contra seu caso mais recente de violência policial dirigida aos negros.
O assunto ressurgiu porque, na terça (2), a família de um jovem morto após uma abordagem policial, em julho de 2016, divulgou o laudo de perícia privada que indicou que a causa da morte foi asfixia ocorrida enquanto ele estava de bruços. Adama Traoré foi encontrado morto pelos bombeiros na delegacia de Persan, no subúrbio de Paris, no dia em que completou 24 anos.
Horas antes, três policiais haviam abordado e prensado no chão o jovem de origem malinesa enquanto tentavam imobilizá-lo. O depoimento de um dos agentes confirma que os três se deitaram sobre o jovem ao mesmo tempo.
“A morte de Floyd renovou a mobilização para que as causas da morte de Traoré venham à tona e para denunciar a violência policial na França”, afirma Pap Ndiaye, professor de história política da universidade Sciences Po.
O ato contra a morte do jovem francês teve confrontos violentos com a polícia, que deteve 18 pessoas. Manifestantes dispararam pedras e garrafas contra os agentes, que responderam com bombas de gás lacrimogêneo.
A prefeitura proibiu o protesto por causa da pandemia do novo coronavírus —apenas estão autorizadas aglomerações de até dez pessoas.
A insatisfação dos franceses com a atuação da polícia não é recente, diz Ndiaye. Ele cita a onda de protestos de 21 dias em 2005, que levou à decretação de estado de emergência.
As manifestações começaram após a morte acidental de dois adolescentes filhos de imigrantes que se eletrocutaram ao entrar numa subestação de energia enquanto tentavam se esconder da polícia.
Ndiaye reconhece que o nível de violência na atuação da polícia francesa é mais baixo que aquele visto nos EUA, principalmente por causa dos métodos usados pelos agentes americanos, que costumam recorrer a armas de fogo.
No entanto, essa percepção de menor gravidade, compartilhada pelos franceses e por seus governantes, alimenta uma “negação sobre a existência da violência policial, que seria algo secundário”, diz.
O professor afirma que o movimento antirracista na França é menos expressivo também pela ausência de um histórico de conquistas.
“Nos Estados Unidos, há a memória gloriosa dos anos 1960 [quando ocorreu o movimento pelos direitos civis]. A sociedade civil americana tem recursos para combater o racismo vindos dessa época, o que não acontece na França.”
Enquanto a morte de Floyd foi amplamente documentada, os detalhes do que aconteceu com Traoré ainda são desconhecidos. Não há testemunhas da detenção nem vídeos do episódio. Grande parte do ocorrido foi relatado pelos três policiais envolvidos e por bombeiros e socorristas chamados ao local.
O que se sabe a partir de depoimentos é que a polícia buscava, na verdade, um irmão de Adama, Bagui Traoré, suspeito de extorsão. Adama correu dos agentes por estar sem documentos de identidade, mas foi encontrado e detido.
Enquanto era transportado até a delegacia, Adama urinou em si mesmo, de acordo com depoimentos dos agentes.
Segundo a emissora TMC, um dos bombeiros chamados a depor no inquérito relatou que quando a equipe chegou à delegacia, o jovem estava deitado no pátio, sobre o chão de concreto, ainda algemado. Os policiais só removeram as algemas após a chegada do socorro, por acreditar que ele estava fingindo estar doente, afirmou a testemunha.
Traoré morreu por volta das 19h, após várias tentativas de reanimação. Sua família soube da morte cerca de três horas depois. O resto do que ocorreu naquele dia é um debate entre médicos e peritos.
Desde 2016, quando o inquérito foi aberto, mais de cinco perícias foram realizadas para tentar determinar a causa da morte, algumas encomendadas pela família, outras pelos juízes responsáveis pela investigação do caso —todas com resultados diferentes.
As análises apontam, com argumentos distintos, que Traoré morreu por asfixia, mas divergem se ela teria sido causada pela ação dos policiais ou por uma doença respiratória ou cardiológica pré-existente associada ao estresse do momento.
Além da solicitada pela família, uma outra perícia, esta a pedido da Justiça, foi divulgada recentemente. Segundo o jornal Le Monde, os três médicos que assinam o documento, que veio a tona na sexta (29), afirmam não haver “nenhuma patologia óbvia” para explicar a insuficiência cardíaca decorrente da falta de ar.
Eles apontam, porém, para uma série de fatores, como a associação de possíveis doenças de coração sem diagnóstico a um contexto de estresse e esforço físico sob alta concentração de maconha. Na prática, isso exonera os policiais.