‘Seu teste deu positivo, a senhora deve se isolar imediatamente’
barcelona Dia #84 – Sexta, 5 de junho. Cena: recebendo mensagens de toda parte, algumas mais alarmadas do que eu.
Eis que chega o dia em que o cidadão (no caso, eu) pega o papel e tá lá: RNA vírus COVID-19: POSITIVO.
“Este resultado indica a presença do novo coronavírus na amostra, pelo que ‘usted’ deveria contatar seu médico ou serviço de vigilância de saúde para receber as instruções e atenção sanitária adequadas.”
Sou a única pessoa que conheço com coronavírus confirmado. E a quase única que conheço que fez um teste.
Basicamente, aqui em Barcelona trabalho algumas horas semanais para uma empresa de cosmética deluxxx como consultora de beleza (é o rotundo título oficial), pra salvar uma grana nessa vida incerta de jornalista viajante e ter papéis em dia. Pois é, nesses momentos tô extrafeliz de ter essa salvaguarda.
Os recursos humanos são ótimos, e, sabendo de uma recente gripe e de meu histórico com o câncer, me ofereceram um PCR, embora, tecnicamente, ao não estar imunodeprimida ou passando por tratamento ativo, eu não faça parte do grupo de risco.
Protocolo, pensei. Me sentia bem, à parte algumas dores por fazer esporte com tutorial do YouTube e certa fadiga, diria, psicofísica por estar tanto tempo em casa.
O teste, num diminuto consultório com hora marcada no Raval foi tranquilo, como todos já vimos 18.097 vezes pela tevê: bastãozinho na narina, breve cara de desagrado e bora pra casa esperar “de três a seis dias”, porque havia muita demanda. “Mas não se preocupe, o laboratório está trabalhando sem parar nos fins de semana”, comentou a recepcionista detrás da máscara.
Na volta, como vinha fazendo em minhas andanças desde o princípio da desescalada, subi numa bicicleta do serviço público e coincidentemente passei diante de um dos maiores laboratórios da Catalunha, Echevarne, com 250 centros espalhados por Espanha, Andorra e Portugal.
A poucos blocos de La Pedrera, um dos totens arquitetônicos de Gaudí, uma fila de umas 20 pessoas dobrava o quarteirão da principal unidade. O que estava fazendo essa gente toda debaixo do sol a pino do meio-dia? Resposta: esperando pra realizar seu teste de Covid-19.
Com a dificuldade de realizar o diagnóstico pelo sistema público, que ainda vem
A fila dobrava o quarteirão. E o que estava fazendo essa gente toda debaixo do sol a pino do meio-dia? Resposta: esperando pra realizar seu teste de Covid-19
administrando os escassos recursos disponíveis em função da seriedade dos casos, mais e mais pessoas sintomáticas ou não estão recorrendo a laboratórios privados, encaminhadas por suas empresas ou médicos privados.
Em média, um diagnóstico privado de coronavírus na Espanha pode custar entre 60 euros (R$ 338, pelo teste que analisa a presença de anticorpos no sangue) e 140 euros (R$ 789) para o PCR, que funciona como uma “fotografia” do momento viral.
Na Catalunha, os diagnósticos particulares em teoria deveriam ter autorização prévia do serviço de saúde público. O objetivo é controlar o mercado, para que não faltem recursos para os mais necessitados.
Mesmo com a desescalada, a previsão é que a demanda por testes cresça cada vez mais, de maneira preventiva ou para evitar focos secundários de infecção.
A saúde pública espanhola, principal responsável pelo monitoramento de casos, conta com a parceria de centros de pesquisa e universidades, mas os laboratórios privados também são apoio indispensável nesse cenário de diagnósticos massivos.
Alguns dias depois de realizar o teste, estou andando na rua e toca o celular. “Senhora Susana B? A senhora está em casa??”, ouço. Um pouco desnorteada com a voz feminina peremptória sem-preâmbulos, digo: “Não, estou na rua”. “Mas COMO que a senhora não está em casa?! Não viu o resultado de seu teste? A senhora deu positivo para coronavírus e deve se isolar imediatamente.”
Como disse um amigo depois: não se preocupe, você está em boas mãos —em breve vão mandar os militares.
To be continued...