Folha de S.Paulo

Miss Biá, 79, drag pioneira e ‘Hebe das gays’

- Dhiego Maia

são paulo Miss Biá gabava-se em dizer: “Não tem ninguém antes de mim”. Pioneira do transformi­smo num tempo em que não havia a sopa de letrinhas LGBTI, era respeitada dentro e fora dos palcos das casas noturnas paulistana­s em que subiu aos 21 anos e permaneceu por quase seis décadas.

A personagem era a drag queen de Eduardo Albarella, um paulista culto, viajado e que se tornou estilista e maquiador de gente famosa. Entre as artistas mais chegadas, costumava dizer que os homens, ao olharem para as mulheres, queriam ver uma linda paisagem. Foi isso que ele fez de sua Miss Biá, nome dado em homenagem a uma música de Carmem Miranda (1909-1955).

Biá unia vestidos e maquiagens impecáveis, ao estilo da atriz Gina Lollobrigi­da, à educação e porte que faziam dela uma figura atemporal. Cantava ao vivo, costume pouco seguido pelas drags de hoje.

“Foi mais que uma amiga, uma mãe”, diz Salete Campari, 53, uma das drags mais conhecidas da noite paulistana. Ela viu Miss Biá pela primeira vez no palco da Nostro Mondo, boate que marcou as décadas de 1970 e 1980 sob o comando da também talentosa e exigente condessa Mônica (1942-1989).

Miss Biá levou um sofá ao palco da boate e personific­ou por anos a apresentad­ora Hebe Camargo (1929-2012) em entrevista­s hilárias com figuras como o ator Paulo Autran e a ex-ministra da Cultura e atriz Regina Duarte.

“Meus olhos brilharam. Foi naquela noite que eu decidi que queria ser uma artista”, conta Campari.

Miss Biá também foi a responsáve­l por proteger as colegas das operações contra a população trans feitas a mando do delegado José Richetti na década de 1980. Teve uma ideia para tornar mais fácil a vida das artistas que se vestiam de mulher. “Ela convidou o Richetti para um assistir a um espetáculo. E ele gostou tanto que mandou ninguém mexer com as meninas da Biá.”

Antes da pandemia, Albarella era visto nos palcos da boate Danger. Amava tomar um café e comer um pastel após os espetáculo­s nas madrugadas.

Chegou a ser convidado por Campari para passar uma temporada no sítio da amiga, em Juquitiba (SP), para fugir do vírus, mas preferiu ficar em casa.

No final de maio, sentiu-se mal e foi internado. Não resistiu às complicaçõ­es da Covid-19. A estrela máxima dos palcos paulistano­s fechou os olhos nesta quarta (3), aos 79 anos. O artista deixa irmão, sobrinhos e uma legião de amigos e fãs.

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Lufe Steffen/Divulgação Miss Biá nos bastidores da websérie ‘Memórias da Diversidad­e Sexual’, dirigida por Lufe Steffen

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