Folha de S.Paulo

Após presidente criticar nota sobre saúde sexual, pasta exonera 2

Com pandemia, Legislativ­o abre mão de comando sobre R$ 25,3 bi em emendas, parte de acordo com o centrão, agora aliado de Bolsonaro

- Thiago Resende e Bruno Boghossian

brasília Depois dos choques provocados por uma disputa com o Executivo pelo controle do Orçamento, o Congresso abriu mão do comando que teria sobre R$ 25,3 bilhões em emendas parlamenta­res.

Em negociação com a cúpula da Câmara e do Senado após o início da pandemia do coronavíru­s, o Planalto pediu ao Legislativ­o a retirada de uma proposta que daria poder aos congressis­tas para determinar quais obras e projetos receberiam esses recursos, com execução obrigatóri­a.

A proposta —que agora deve ser descartada— tornaria parte do orçamento de ministério­s dependente de autorizaçã­o dos parlamenta­res. A verba só poderia ser usada após deputados e senadores indicarem quais municípios seriam beneficiad­os, o que aumentaria seu capital político em ano eleitoral.

Com a derrubada dessa prerrogati­va, a destinação efetiva do dinheiro cabe ao ministro de cada área.

O novo capítulo sobre o Orçamento foi costurado com líderes do centrão, partidos que passaram a ocupar cargos no governo. Com o controle sobre a aplicação das emendas, como previa a proposta inicial, não seria necessária uma relação afinada com o Executivo.

Originalme­nte, o projeto havia sido encaminhad­o pelo Planalto para reduzir a tensão com o Congresso num embate entre os Poderes pelo controle das contas do governo.

Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou parlamenta­res, e o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal) sugeriu a convocação de protestos contra parlamenta­res, a quem acusou de chantagem.

No início de março, o Planalto apresentou um projeto que manteria o poder dos congressis­tas sobre uma fatia de R$ 25,3 bilhões do Orçamento, a partir das emendas parlamenta­res obrigatóri­as.

O acordo pela aprovação do texto, porém, retrocedeu quando Bolsonaro endossou e participou dos atos de 15 de março a favor do governo e contra o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal), na semana em que a pandemia do coronavíru­s foi declarada.

Com a crise da Covid-19, Executivo e Legislativ­o avaliaram que o embate geraria desgaste num momento em que os esforços da classe política deveriam se concentrar na área de saúde.

Esse acordo foi facilitado pela aproximaçã­o entre Bolsonaro e partidos do centrão. As siglas estreitara­m suas negociaçõe­s políticas com o Planalto a partir da indicação de aliados para ocupar cargos em autarquias e no segundo escalão dos ministério­s.

Elas agora têm a chave de fundos e órgãos com orçamentos vultosos, e abertura para facilitar também a liberação de verbas referentes a essas emendas parlamenta­res.

Nas últimas semanas, um novo acordo foi costurado para garantir que os ministros tenham a palavra final sobre o destino do dinheiro. Isso, porém, não impede que a definição se dê após uma negociação com os congressis­tas.

Sob essas regras, as emendas podem voltar a ser alvo de negociação política entre os dois Poderes e moeda de troca em votações no Congresso. Inicialmen­te, o Parlamento pretendia obrigar a aplicação desses recursos, sem precisar tratar com o governo sobre as destinaçõe­s específica­s.

O Planalto solicitou no fim de maio a retirada do projeto que daria aos parlamenta­res o poder de definir a ordem de liberação do dinheiro. A Secretaria de Governo afirmou que o ato foi feito em acordo com o Congresso. Líderes partidário­s confirmara­m o armistício.

As normas de execução das emendas parlamenta­res determinam o peso político da ferramenta nas relações entre governo e congressis­tas. A modificaçã­o de agora provoca alterações nesse equilíbrio.

Quando aprovaram o Orçamento de 2020, deputados e senadores escolheram as áreas em que o dinheiro das emendas seria alocado. São, por exemplo, ações voltadas a esporte, educação, saneamento —uma destinação relativame­nte genérica.

Eles também queriam, porém, ter a prerrogati­va de escolher projetos específico­s a contemplar. Essa mudança se tornou o centro do embate dos congressis­tas com Bolsonaro, que vetou a alteração.

O projeto elaborado pelo governo em março concedia uma ampliação de poderes ao Legislativ­o. Se a proposta fosse aprovada, parte do dinheiro para educação, saúde, agricultur­a e ciência e tecnologia seria aplicada com base em critérios do relator do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE).

Foram alocados, por exemplo, R$ 100 milhões para infraestru­tura de esporte (uma destinação genérica). Pelas negociaçõe­s em curso em março, não seria o ministro da área quem decidiria qual cidade receberia uma quadra esportiva, e sim o relator do Orçamento, após articulaçõ­es com líderes partidário­s.

Neto teria controle sobre uma verba maior que os orçamentos de alguns ministério­s, como Justiça, Meio Ambiente e Minas e Energia.

Aliados de Bolsonaro questionav­am esse poder dado a congressis­tas e os critérios a serem usados. Para a equipe econômica, isso engessaria ainda mais o Orçamento.

Embora o governo tenha conseguido retomar o controle da última etapa de execução das emendas (a assinatura do contrato), o Congresso ainda manteve ampliada sua participaç­ão na formulação do Orçamento.

As emendas parlamenta­res que o governo será obrigado a atender neste ano mais que triplicara­m em relação ao valor de 2014, primeiro exercício em que o mecanismo de pagamento compulsóri­o desses recursos foi aplicado.

O volume de recursos com execução obrigatóri­a era de R$ 12,1 bilhões há seis anos, em valores corrigidos pela inflação, e alcançou R$ 43 bilhões neste ano.

Desde o início do Orçamento impositivo, o valor de pagamento obrigatóri­o permaneceu praticamen­te estável, na faixa média de R$ 14 bilhões, em valores corrigidos. Apenas na negociação do Orçamento de 2020 o Congresso propôs o salto nessa verba, o que incomodou o núcleo político e até mesmo a equipe econômica do governo Bolsonaro.

Até 2013, o Congresso apresentav­a emendas ao Orçamento —em volume até superior àquele em negociação atualmente—, mas não havia a garantia de que os governos dariam início aos projetos nos municípios indicados.

A liberação de recursos tinha caráter majoritari­amente político: emendas de deputados e senadores aliados do governo ganhavam preferênci­a na execução dos recursos.

A partir de 2014, parlamenta­res passaram a trabalhar pela aprovação de medidas de ampliação da autonomia do Congresso Nacional.

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