Patrão da mãe de Miguel, faxineira, a empregava em prefeitura
Ministério Público apura improbidade em Tamandaré (PE); filho de empregada doméstica morreu após cair de prédio em Recife
“Estou surpresa com essa informação. Eu trabalhava na casa deles. A minha mãe também ia quando a família ia para Tamandaré. A gente se revezava em cuidar da casa e das crianças Mirtes Renata de Souza mãe de Miguel, que trabalhava como doméstica na casa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB)
recife O nome da mãe do garoto Miguel Otávio Santana da Silva, 5, que morreu depois de cair do nono andar de um prédio no centro do Recife, na terça-feira (2), figura no quadro de servidores da Prefeitura de Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco, desde 2017.
Mirtes Renata de Souza trabalhava havia quatro anos como empregada doméstica na casa do prefeito do município, Sérgio Hacker (PSB), e da primeira-dama, Sari Côrte Real, localizada no Recife.
Na terça, a Polícia Civil de Pernambuco prendeu Sari em flagrante por homicídio culposo após ela deixar o filho de Mirtes sozinho no elevador, de onde ele se deslocou até um andar mais alto, escalou um buraco de ar condicionado, caiu e morreu. Sara foi liberada no mesmo dia depois pagar fiança de R$ 20 mil.
Nesta sexta-feira (5), a Promotoria de Justiça de Tamandaré instaurou um inquérito civil com a finalidade de apurar possível prática de improbidade administrativa do prefeito Sérgio Hacker.
O Ministério Público constatou, por meio de busca no portal da transparência municipal, que Mirtes figura na folha de pagamento do município desde fevereiro de 2017. Ela recebe um salário mínimo e está lotada no setor de manutenção de atividades de administração.
A Promotoria de Justiça de Tamandaré expediu ofício requisitando à chefia de gabinete da prefeitura para que informe, em três dias úteis, dados funcionais sobre a servidora, como cargo, função, método de controle de ponto, local de lotação, dentre outros.
Em entrevista ao UOL, nesta sexta, Mirtes disse que recebia o salário em dinheiro das mãos dos patrões e não sabia que seu nome constava na folha de pagamento da Prefeitura de Tamandaré.
“Estou surpresa com essa informação. Eu trabalhava na casa deles. A minha mãe também ia quando a família ia para Tamandaré. A gente se revezava em cuidar da casa e das crianças”, declarou.
A Prefeitura de Tamandaré declarou que só vai falar sobre o assunto na próxima semana. Em nota, afirmou que o prefeito Sérgio Hacker se encontra profundamente abalado com a morte e que, no momento próprio e de forma oficial, prestará informações aos órgãos competentes.
Mirtes trabalhava na casa da suspeita e levou o filho, Miguel, ao local de trabalho por não ter com quem deixá-lo. Escolas e creches estão fechadas devido à pandemia do novo coronavírus, e a mulher continuava trabalhando para o casal apesar da alta incidência da doença em Recife. O próprio Hacker anunciou em abril que estava infectado pelo novo coronavírus.
De acordo com as investigações da polícia, Mirtes havia descido para levar a cadela da família para passear e deixado o filho sob os cuidados da patroa. Depois disso, a criança saiu do apartamento e tomou o elevador desacompanhada.
Os policiais analisaram imagens do circuito interno de câmeras do condomínio e verificaram que a proprietária do apartamento permitiu que a criança de cinco anos entrasse sozinha no elevador.
O delegado Ramon Teixeira, que preside o inquérito, afirmou que o menino primeiro tentou sair do apartamento, e a mulher o repreendeu. Em nova tentativa, relatou o delegado, a criança retornou ao elevador e nada foi feito para impedir. Os investigadores afirmam que as imagens de circuito interno mostram a mulher observando o menino entrar no elevador no quinto andar e registram o momento em que ela apertou o botão para a cobertura.
Ainda segundo o vídeo, na presença de Côrte Real, Miguel acionou os botões do sétimo e do nono andar. A porta do elevador então se fecha e ele sobe desacompanhado, primeiro até o sétimo andar, sem desembarcar, e depois até o nono andar.
Após deixar o elevador, Miguel subiu em uma caixa em que havia condensadores de aparelhos de ar-condicionado. Em seguida, de maneira acidental, segundo as investigações, ocorreu a queda, porque o local não estava devidamente protegido. O garoto caiu de uma altura de 35 metros.
No início da tarde desta sexta-feira, manifestantes se concentraram em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, no centro do Recife, para protestar contra a morte do menino Miguel.
Com cartazes que pediam justiça, seguiram em marcha até o prédio, também na área central da cidade. “E se fosse ao contrário?”, eles gritavam durante o caminho.
A frase faz referência à declaração de Mirtes a respeito da fiança paga pela patroa para responder ao crime em liberdade. “Se fosse ao contrário, eu não teria direito à fiança. É uma vida que se foi por falta de paciência. Não se deixa uma criança sozinha dentro de um elevador”, disse.
Patroa pede perdão à empregada em carta aberta
recife Sari Côrte Real, patroa da mãe do garoto Miguel Otávio Santana da Silva, 5, pediu perdão em carta aberta.
“Te peço perdão. Não tenho o direito de falar em dor, mas esse pesar, ainda que de forma incomparável, me acompanhará também pelo resto da vida”, escreveu Sari para a mãe do menino.
Ela diz que está sendo condenada pela opinião pública. “As redes sociais potencializam o ódio das pessoas. Tenho certeza que a Justiça esclarecerá a verdade.”
Em outro trecho, afirma que reza muito para que Deus possa amenizar o sofrimento de Mirtes e confortar o seu coração. “Na nossa casa, sempre sobrou carinho e amor por você, Miguel e Martinha. E assim permanecerá eternamente.”
Sari escreve que não há palavras para descrever o sofrimento da perda irreparável. “Como mãe, sou absolutamente solidária ao seu sofrimento. Miguel é e sempre será um anjo na sua vida e na sua família.”