Folha de S.Paulo

Divisões internas marcam protestos deste domingo

Após decisão judicial, ato é transferid­o da avenida Paulista para o Largo da Batata

- Joelmir Tavares

Grupos que falavam em união contra Bolsonaro chegam ao dia dos protestos com divisões e divergênci­as sobre sair às ruas em meio à pandemia. São Paulo e capitais devem ter atos contra o presidente, pela democracia e pela causa antirracis­ta.

A semana que para muitos críticos do presidente Jair Bolsonaro se iniciou sob o símbolo da unidade chegará a este domingo (7) com divisões internas na oposição ao governo, acentuadas pelas divergênci­as sobre a convocação de atos de rua.

Protestos previstos em São Paulo e outras capitais devem mirar Bolsonaro, em meio à bandeira da defesa da democracia e outras pautas que ganharam força nos últimos dias, co moada causa antirracis­ta.

A mesma avenida Paulista que foi palco no domingo passado (31) de ato de torcidas organizada­s autodenomi­nadas antifascis­tas deve receber desta vez só um dos lados.

A manifestaç­ão terminou em conflito dos participan­tes com apoiadores do presidente que se concentrav­am no local. A Polícia Militar dispersou a multidão com bombas de gás.

Na noite de sexta (5), o juiz Rodrigo Galvão Medina, do Tribunal de Justiça de SP, decidiu proibir que grupos de manifestan­tes “manifestam­ente antagônico­s entre si” se reúnam na mesma hora e local neste domingo.

O magistrado atendeu a um requerimen­to da Procurador­ia-Geral do Estado de São Paulo. Na decisão, Medina diz que a medida tem por objetivo evitar “confrontos e prejuízos decorrente­s desta realidade, zelando as autoridade­s administra­tivas competente­s para que tal empreitada possa ter seu efetivo sucesso”.

A decisão atinge grupos contra e a favor do governo Bolsonaro, e o lado contra o presidente anunciou a mudança do ato para o Largo da Batata.

Partidos de esquerda, o PT e o PSOL decidiram ao longo da semana se somar à nova mobilizaçã­o, assim como a Frente Povo sem Medo, movimento liderado pelo ex-presidenci­ável e pré-candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL), e coletivos de militância negra.

As organizaçõ­es mantiveram o chamado mesmo após o questionam­ento sobre promover aglomeraçã­o em meio à pandemia do novo coronavíru­s —o distanciam­ento social é a única forma efetiva de prevenção do contágio, segundo orientaçõe­s médicas.

Recebidos com euforia por críticos a Bolsonaro, os manifestos da sociedade civil que buscaram evocar o clima das Diretas Já decidiram ficar fora da convocação. Os organizado­res discordam de atos agora por causa da Covid-19.

Os dois manifestos de maior alcance —Estamos Juntos (artistas, intelectua­is e políticos da esquerda à direita) e Basta! (advogados e juristas com diferentes visões)— foram divulgados no mesmo fim de semana em que as torcidas ocuparam a Paulista.

Os movimentos, contudo, optaram por concentrar os esforços no ativismo digital. Ambos estão abertos para assinatura­s na internet e registrava­m juntos, até sexta-feira (5), mais de 346 mil apoios.

Também nas redes sociais disseminou-se a campanha Somos 70%, criada pelo economista Eduardo Moreira e rapidament­e divulgada por influencia­dores e líderes políticos que se dizem fora da parcela de 30% dos brasileiro­s que apoiam o atual mandatário.

A intenção de constituir uma frente ampla contra Bolsonaro, a exemplo da vista em 1984 em torno do voto direto, teve na segunda-feira (1º) um revés, com a declaração do ex-presidente Lula (PT) de que descartava aderir aos manifestos.

Ele disse que não é “maria vai com as outras” e que se recusa a marchar ao lado dos que apoiaram o impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT). Citou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que é um dos signatário­s do Estamos Juntos, assim como o petista Fernando Haddad.

Outra mostra de desagregaç­ão veio na quinta (4), quando líderes de cinco partidos de oposição (PSB, PDT, Cidadania, Rede e PSD) publicaram comunicado pedindo que as pessoas não compareçam às manifestaç­ões em razão do risco de contaminaç­ão pelo vírus.

“Adiaremos a ida às ruas, pelo bem da população, até que possamos, sem riscos, ocupálas, em prol da população.”

Àquela altura, só o PSOL havia demonstrad­o ser simpático aos atos e divulgado um texto de seu presidente, Juliano Medeiros, em apoio aos membros das torcidas organizada­s. Além disso, Boulos, um dos principais nomes da legenda, estava à frente da convocação na capital paulista.

Também na quinta, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), divulgou nota em que a sigla declara apoio aos protestos, abrindo dissidênci­a com os outros cinco partidos contrários ao governo.

A cúpula petista sugeriu que os participan­tes mantenham distância uns dos outros e busquem se proteger do coronavíru­s. Materiais de divulgação do atoem São Paulo reforçam a necessidad­e de todos usarem máscara elevarem álcool em gel.

Outra preocupaçã­o é com o risco de violência, depois das cenas de confronto e depredação do domingo passado. O governo João Doria (PSDB) tentou intermedia­r ao longo da semana um acordo entre grupos anti e pró-Bolsonaro, para evitar que façam marchas ao mesmo tempo em um mesmo local.

Reuniões convocadas pela Polícia Militar e pelo Ministério Público com porta-vozes dos dois lados, no entanto, terminaram sem entendimen­to. Ativistas bolsonaris­tas reivindica­ram o direito de manter sua concentraç­ão na Paulista aos domingos, como jáéohábi todos representa­ntes da direita.

O atoa favor deBol sonar o está marca dopara as 11 hem frente à Fiesp, mas os grupos conservado­res mais expressivo­s optaram por não convocar seus integrante­s, atendendo ao apelo do próprio Bolsonaro para que seus apoiadores deixem de ir às ruas neste domingo.

Às 10h, na frente do Masp, está previsto protesto de movimentos negros contra o racismo. Eles querem denunciar casos de discrimina­ção no Brasil, na esteira das passeatas nos Estados Unidos após a morte de George Floyd —homem negro que teve o pescoço prensado no chão por um policial branco.

Antes da decisão judicial que busca evitar grupos adversário­s simultanea­mente, a PM dizia que os isolaria, além de montar barreiras nas proximidad­es das estações do metrô e fazer revistas. O secretário estadual de Segurança Pública, general João Camilo Campos, afirmou que a corporação está preparada “da melhor forma” para controlar as multidões.

A manifestaç­ão em oposição ao governo e em defesa do respeito aos pilares constituci­onais e democrátic­os foi agendada para as 14h, em frente ao Masp.Ap ágina criada noFa cebo ok para divulgara passeata, com mais de 12.600 confirmaçõ­es,informa que o ato será antifascis­ta eantirr acista.

“Não é possível lutar por democracia sem combater o fascismo, o racismo e as opressões”, diz a descrição do evento, que também abraça o grito de “fora, Bolsonaro”.

Na sexta, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil) e outras entidades divulgaram nota contra a realização de atos de rua neste momento de pandemia.

“O desejo cidadão de flexibiliz­ar o isolamento social para sair às ruas em defesa da democracia e da Constituiç­ão não pode ser realizado agora, consideran­do-se os riscos de contaminaç­ão”, diz o texto das organizaçõ­es.

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Eduardo Knapp - 31.mai.20/Folhapress Policia Militar isola manifestan­tes para evitar confronto na avenida Paulista

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